Evelyn Vinocur é doutora em Pediatria, graduada em 1978 pela Universidade Federal Fluminense (UFF), especialista em Pedi...
iFiquei observando a minha cliente. Ela estava irritada, sem graça, começou a revirar a bolsa toda e foi tirando coisas lá de dentro e foi tirando e foi tirando, até que... Ufa! Ela achou a cadernetinha de anotações onde ela escrevia todas as suas dúvidas para me falar durante a consulta. Ela dizia que a mente dela dava brancos, que ela sempre se esquecia de tudo e que por isso ela escrevia tudo. Mas infelizmente, logo em seguida, mais uma vez, ela queria achar alguma coisa e não achava... Era a vez do óculos. Sem óculos ela não enxergava nada.
Ela foi ficando muito irritada porque não achava o óculos, e chorou que nem criança querendo uma bala. O óculos estava na cabeça dela. Eu fiquei imóvel, vendo todo aquele sofrimento. Quando eu lhe disse que seu óculos estava em sua própria cabeça, ela chorou mais ainda, de alívio e de sofrimento, e de vergonha e humilhação. Deixou a cadernetinha no braço do sofá ao lado onde ela estava sentada e passou a falar de sua vida, que desde sempre ela foi assim, cabeça de vento, cabeça oca, cabeça de abóbora, maluca, etc.
E o pior de tudo é que ela passava muitos vexames na frente dos colegas, pois até a professora se irritava com ela. Seus lápis, de tanto cair no chão, não tinham ponta, as canetas mordidas, os cadernos todos desenhados com florezinhas e um monte de manchas roxas pelo corpo, porque estabanada que nem era, batia e se machucava toda hora. Chegava atrasada a todos os compromissos, saía sempre atrasada de casa, sempre aos berros querendo saber aonde tinha deixado alguma coisa. Ela cresceu assim. Entre risos e lágrimas, entre sonhos e fracassos. Era desacreditada por todos, já tinha pego a fama de maluquinha. Foi muito difícil tratar essa paciente. Ela não conseguia ouvir. Não entendia o que eu falava. No ASRS-18, um questionário de DDA e TDAH para adolescentes e adultos, ela preencheu todos os critérios da parte de desatenção e quase todos da parte de hiperatividade e impulsividade.
Na história familiar, ela me disse que a mãe era desastrada que nem ela, que gostava de fazer piadas e que não conseguia botar ordem na casa. De tanta bagunça, o pai foi embora de casa. E foi o pai que mandou a minha paciente me procurar. Porque ela mesma, de tão desatenta que era, nem se tocou que ela poderia ter um transtorno ou um problema que tivesse tratamento. Chamei o pai e expliquei a ele tudo sobre o DDA/TDAH - Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Ele ficou perplexo: - Eu sabia que elas (a ex-mulher e a filha) tinham alguma coisa, que aquilo não podia ser normal! Mas a minha paciente não gostou de receber esse diagnóstico e ficou repetindo que não tinha problema mental nenhum. E só aceitou fazer uma terapia. Remédio, nem pensar! Cheguei a fazer uma tentativa, chamei a mãe e foi uma tragédia.
A mãe era agitada, dispersa no trabalho. Não conseguiu me ouvir e saiu dizendo que a filha era aquilo mesmo, que era mal de família... Todo o meu discurso, toda a minha psicoeducação , tudo o que eu falei, sumiu dentro de suas mentes desatentas, inquietas e impulsivas. Hoje, quatro meses depois, a minha paciente está começando a perceber quantas coisas ela faz e fala por impulso, sem pensar e nas tantas perdas que já sofreu por conta disso... Hoje, também, ela já consegue ouvir, já aceitou ler alguns folders que eu lhe dei, já acessa alguns sites e já não se irrita quando eu falo no TDAH.
Hoje ela já sabe que existe um remédio super eficaz para aliviar todo aquele sofrimento. E que ela pode ficar diferente de sua mãe, mais calma, menos impulsiva, mais atenta. Hoje, ao sair da consulta, deixou o celular, que havia caído do seu colo, na poltrona. Depois voltou pra pegar e disse pra mim: é, eu acho que eu tenho TDAH mesmo... e foi embora pensativa.
Evelyn Vinocur é psicoterapeuta cognitivo comportamental. Atua na área de saúde mental de adulto e é especializada em saúde mental da infância e adolescência.
Para saber mais, acesse: www.evelynvinocur.com.br