Geração Baby-Boomer, Geração Z, Geração Coca-Cola... Muitas denominações surgiram no século XX para designar tendências de comportamento. Nos últimos anos, surgiu uma nova modalidade: a Geração Canguru. Trata-se de adultos que parecem ainda não estar prontos para a vida fora dos limites da casa dos pais e continuam morando com eles, no seu aconchego (e, às vezes, sob sua tutela econômica). Na opinião especialista em medicina comportamental pela Unifesp Regina Montelli, seguir sozinho é fundamental para a pessoa construir sua independência, autonomia e maturidade.
Um dos motivos para esse processo são as exigências da sociedade em que vivemos. "A felicidade é atrelada à posse de bens materiais e, por isso, muitos jovens adultos acabam retardando a saída da casa dos pais para ter mais renda", explica. Eles priorizam as metas da "lista da felicidade", como carro, casa e eletrônicos de última geração.
Outro ponto é a dependência emocional: tanto por parte dos pais quanto dos filhos. Alguns pais deixam e desejam que o filho permaneça em sua casa, temendo a separação e a distância. "Muitos suprem sua ansiedade em relação ao filho controlando-o, e mantê-los sob vigilância acalma esses pais", diz Regina. E há filhos que receiam encarar um lar solitário ou que ficam inseguros diante da perda da proteção.
Em alguns casos, os filhos optam por não trabalhar para se dedicar aos estudos. Investem na graduação, pós e mestrado sem trabalhar. Por fim, há os casos de acomodação, em que a pessoa tem o apoio financeiro e psicológico dos pais e acaba não tendo vontade nem necessidade de sair de casa.
Retardar a saída do leito materno pode trazer consequências ainda mais graves. Um estudo recente da Universidade de Londres, na Inglaterra, concluiu que homens com pouco mais de 20 anos que ainda moram com os pais são mais violentos do que os que vivem sem eles. Os "cangurus" representam 4% da população masculina da Grã-Bretanha, entretanto são responsáveis por 21% dos casos de lesões por violência nos últimos anos. Entrevistando oito mil homens e mulheres, os pesquisadores descobriram que o comportamento violento era mais comum em homens jovens que viviam com os pais. Esses jovens também tinham mais renda disponível e problemas com álcool.
"O bom filho à casa torna"
As situações em que o filho vai morar sozinho e retorna a casa dos pais costumam ser ainda mais complicadas, tendo em vista que, muitas vezes, os pais acostumaram-se à independência desse filho e têm que voltar a conviver com ele no ambiente doméstico. Não raro, o filho delega novamente o peso de algumas responsabilidades aos pais, como a limpeza e as despesas do lar. A isso, soma-se o fato de que o retorno costuma ocorrer por conta de uma separação ou de desemprego - situações que por si, já são delicadas.
Mas isso só ocorre quando o filho não tem a medida daquilo o que é seu dever e não tem dó nem piedade de tirar proveito dos pais. Patricia São Miguel é um exemplo contrário a isso. Ela, que é arte educadora e tem 29 anos, voltou a morar com os pais desde que se separou do ex-marido e diz: "A experiência de morar longe dos pais foi indiferente em relação às responsabilidades, pois mantive muitas das coisas que sempre tive morando com eles". Ou seja: filhos que estão acostumados às regras desde cedo são incapazes de sobrecarregar os pais. "O ideal é uma educação na qual criança tem responsabilidades e assuma as consequências de seus erros para que futuramente saiba respeitar o espaço dos pais", explica Regina Montelli.
E os filhos dos filhos
Patricia tem um filho de cinco anos, que mora na mesma casa. "Por mais que meus pais ajudem, eu sou a responsável pela educação do meu filho, meus pais me orientam, mas jamais tiram minha autoridade. Isso pra mim é excelente como mãe". Estabelecer essa relação é de grande importância para a criança, evitando que ela seja criada pelos avós mesmo tendo um dos pais em casa. "Crianças que são colocadas de lado pelos pais acabam não os respeitando. E a educação dos avós nunca tem o mesmo limite que a dos pais", diz Regina.
A convivência pode ser ótima nesses casos, mas sempre alguém terá que ceder para evitar desapontamentos. "Sinto falta de ter uma maior autonomia quanto a pequenas decisões, por exemplo decidir o cardápio do dia e cozinhar do jeito que gosto, a hora de levantar ou reunir os amigos com frequência", conta Patrícia. Porém, é necessário que, ao lado dos pais, haja o entendimento de que por mais que o filho conviva sob o mesmo teto, ele não é mais um adolescente. As regras e o diálogo que mantêm uma boa convivência são mais do que bem-vindos, mas tratá-lo com as mesmas restrições de antes só traz conflitos desnecessários.
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