Graduado em Medicina pela Faculdade de Medicina do ABC (1978) e doutorado em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da U...
iA relação entre o consumo de álcool e questões trabalhistas ganhou repercussão nacional nos últimos dias, quando a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado aprovou o Projeto de Lei do Senado, Nº 48 de 2010, que proíbe a demissão por justa causa de trabalhadores dependentes de álcool, como diz a atual lei. De acordo com o texto, a dependência alcoólica passa a ser considerada uma doença crônica e incapacitante, e o trabalhador acometido por tal doença terá direito à proteção do Estado.
Além disso, o projeto garante ao empregado o recebimento de auxílio-doença por causa da dependência ao álcool e estabilidade no emprego por 12 meses após o término do benefício. Este projeto recebeu decisão terminativa na CAS, ou seja, já pode ser encaminhado diretamente para a Câmara dos Deputados sem passar pelo plenário do Senado. Caso aprovado, ele segue para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Neste contexto, é importante esclarecer que o uso abusivo de álcool é, de fato, um dos problemas mais sérios de saúde pública no mundo inteiro. Apesar de alguns estudos científicos destacarem o consumo abusivo do álcool como causa de desemprego, o contrário - o desemprego levando ao aumento do consumo de álcool e o risco de desenvolver abuso ou dependência alcoólica - também tem sido evidenciado de modo consistente.
O que acontece é que geralmente o uso abusivo de álcool ocasiona não somente prejuízos pessoais e familiares, mas também prejuízos no ambiente profissional, como diminuição na produtividade, aumento de absenteísmo (falta ao trabalho), maior probabilidade de acidentes de trabalho, entre outros.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), agência das Nações Unidas de informação, análise e orientação sobre o trabalho, de 20% a 25% dos acidentes de trabalho no mundo envolvem pessoas que estavam sob o efeito do álcool ou outras drogas. Além disso, os prejuízos do uso de álcool no ambiente de trabalho acarretam custos enormes para a economia do país.
Ao contrário do que muitos acreditam, mesmo em pequenas quantidades, o álcool pode causar prejuízos à performance, qualidade e segurança no trabalho. Uma dose-padrão de bebida alcoólica (350 ml de cerveja, 150 ml de vinho ou 50 ml de destilado) contém, aproximadamente, 10g de álcool puro. Por isso, é preciso tomar cuidado, já que o álcool é uma substância depressora do sistema nervoso central. Entre os problemas que o consumo de álcool pode causar estão:
- Prejuízo do julgamento e da crítica
- Prejuízo da percepção, memória e compreensão
- Diminuição da resposta sensitiva e retardo da resposta reativa
- Diminuição da acuidade visual e visão periférica
- Incoordenação sensitivo-motora, prejuízo do equilíbrio
- Sonolência
Outros fatores no ambiente de trabalho também podem contribuir para o uso do álcool. Por exemplo, diversos estudos mostram que o estresse tem um papel importante na relação entre álcool e trabalho, sendo que os trabalhos mais estressantes (posições com maiores responsabilidades) influenciariam mais o uso de álcool e transtornos relacionados (abuso e dependência).
As mulheres acabam sendo ainda mais prejudicadas que os homens quando se trata do impacto da demanda excessiva de trabalho, pois frequentemente enfrentam uma dupla jornada de trabalho ao chegar em casa (como cuidar dos filhos e organizar a casa).
Com tudo isso em mente, a preocupação com o abuso do álcool por trabalhadores é coerente e envolve diferentes aspectos. Por isso, o encaminhamento de trabalhadores com uso problemático de álcool aos serviços de saúde é de suma importância, o que apóia o projeto de lei descrito no início deste artigo.
Mas é preciso ir mais fundo: programas preventivos direcionados àqueles que ainda não desenvolveram um transtorno relacionado ao uso de álcool, porém já apresentam problemas decorrentes do uso dessa substância.
Saiba mais: Entenda o que é a depência alcoólica