Anna Hirsch Burg é psicóloga formada pela Pontifícia Universidade Católia de São Paulo. Fez sua formação em psicanálise...
i"As pessoas, minha filha, são como almanaques. Você nunca acha o que procura, mas sempre vale dar uma olhada" (Zelda Fitzgerald, Essa valsa é minha).
Costumo ser procurada pelos casais como o último recurso para recuperar a relação. Eles já fizeram viagens, mudaram de casa, decidiram ter um filho, mudaram de cidade.Tentaram (quase) tudo. Mexeram fundamentalmente nos fatores externos da relação e, muitas vezes, o problema persistiu.
O fato de ser a última opção, ao contrário do que se possa pensar, não faz da terapia de casal a trilha sonora para o fim do relacionamento. Ao contrário. Quando o casal busca uma terapia a dois é porque o relacionamento está muito vivo.
Tenho um espírito à la "Zelda Fitzgerald" quando me entrego ao processo de analisar um casal. Todas as vezes, abro a porta do consultório com grande curiosidade e já durante a primeira sessão, os olhos que vejo estão mais vivos e brilhantes que nunca - sim, quem busca sempre brilha. Sinto-me bastante estudada e, silenciosamente, ouço me questionarem. " - Como essa analista que não conhece cada um de nós vai entender nossas idiossincrasias pessoais e ao mesmo tempo compreender como essas interferem em nossa dinâmica como casal?". Rapidamente, percebem que não estão num tribunal, obrigados a depor, mas que chegaram livremente ao consultório. E deixo bem claro: em briga de marido e mulher não se mete a colher, exceto quando me pedem.
Ao longo da vida, cada um constrói sua própria história psíquica e, no consultório, o analista lida com duas delas. Mais que isso, ele precisa entender como se formou uma terceira entidade psíquica, que é a dinâmica do casal.
Para tanto, surgem algumas questões-chave. Quem são os dois juntos? O que se repete na relação? O que os uniu? O que os ameaça no momento? Afinal, é muito dolorosa a sensação de que a promessa de felicidade de outros tempos deixou de fazer sentido. "-Como?Por que?", indagam.
A psicanálise compartilha o fato de que há uma fantasia nos dizendo que somos uma metade que deseja encontrar sua outra parte para ser feliz e completa. Essa sensação fica evidente quando o casal retoma, em terapia, o momento em que se apaixonou, quando suas histórias psíquicas se encontram. Durante esse processo mágico, recordam que parecia não existir diferenças entre eles e que o amor dava sentido ao inexplicável. Ao entrarem em contato com seus sentimentos, percebem que as palavras não são capazes de dar conta de toda sua gama. Na terapia é possível entender que fantasiamos muito em relação ao outro e que, na maioria das vezes, cada uma das partes apaixonadas está mais interessada em descobrir como o outro pode satisfazer os seus desejos e necessidades.
Em geral, a crise se instala no casal quando essa fantasia de completude cai por terra. Os elementos que deflagram esse processo são diversos. Questões ligadas à sexualidade, como a frigidez, a impotência ou a ejaculação precoce. Outras vezes, o nascimento de um filho, desemprego, mudança de cidade.
A terapia de casal responde a diferentes causas e tempos. Faz parte de sua dinâmica acompanhar as mudanças no relevo social. Hoje em dia, quando se fala que um casal bateu à porta do consultório, não fazemos referência a casamentos em igreja ou cartório. Também não falamos apenas em relacionamentos heterossexuais.
Mas, atenção! As sessões não levam à separação ou à reconciliação. É preciso que se diga claramente que, em uma relação amorosa, os dois componentes do casal são vítimas da trama inconsciente que os conduz ao desencontro. A sensação de fracasso não é fácil nem para aquele que deixou de "amar". E não são milagrosas as formas de rever um relacionamento.
Mesmo sendo um trabalho breve para os padrões da psicanálise, em média, quatro meses de duração, a terapia de casal, em alguns casos, frustra o paciente que deseja uma solução imediata.
No entanto, é possível falarmos em término desse processo quando há um olhar mais real para o parceiro (a). A terapia se completa quando o casal percebe que há um acordo inconsciente entre eles; assim, deixam de culpar um ao outro pelo sofrimento na relação. Quando um se coloca no lugar do outro, a relação se torna mais criativa e cada um deles pode se reinventar. Enfim, a terapia de casal termina no momento em que cada parte da "laranja" resolve seguir sua vida, junto ou separado do outro e sabendo que a única pessoa realmente insubstituível é ela mesma. Devemos nos conscientizar de que apesar sermos incompletos como um almanaque, convém estarmos à procura. Sempre vale a pena darmos uma olhada.
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