Dra. Fernanda D. Spengler é psicóloga especialista em Desenvolvimento Infantil com enfoque comportamental/cognitivo e ta...
iMuitos de nós já ouvimos a expressão de que "crianças não mentem" e, por muito tempo, foi considerada como verdade entre a sociedade e a família, causando até certa dúvida em situações em que se constatavam fatos irreais relatados por crianças.
Nos tempos atuais, surgem constantemente novas discussões sobre o assunto na tentativa de compreender a lógica do pensamento infantil e diferenciar mentira e imaginação.
Inicialmente, precisamos considerar o conceito de mentira entre os adultos e entre as crianças, estabelecendo suas diferenças e contraposições.
A mentira, assim como nós adultos conhecemos, são histórias irreais com o intuito de esconder um fato ou modificar a realidade para se beneficiar ou beneficiar alguém. Sendo assim, mentir envolve muitos sentimentos, emoções e pensamentos para que se crie uma história consistente e que desperte a crença nos demais.
Neste sentido, a mentira passa a ser repreendida pela sociedade e é vista como um recurso que, geralmente, prejudica relacionamentos e atrapalha a vida social.
Quando as crianças ainda são muito pequenas, por volta de 3 a 4 anos começamos a perceber o surgimento de histórias fantasiosas que suscitam a questão: "Elas realmente estão aprendendo a mentir?".
No entanto, é necessário ressaltar que, tanto no ambiente escolar como no familiar a criança convive com histórias irreais e fantasiosas com frequência, como contos de fadas ou desenhos animados, por exemplo, que estimulam o pensamento mágico e a imaginação. Nesta fase, ela está construindo seu senso de realidade, sua forma de ver e compreender o mundo que ainda é muito diferente dos adultos.
Isto não significa, de forma nenhuma, que os contos de fadas e outras histórias fantasiosas estimulam a mentira na fase infantil, pelo contrário, são importantes meios de compreensão e de vivência de sentimentos que a criança ainda está estruturando.
Porém, é comum que personagens irreais ou situações imaginárias tornem-se parte do diálogo infantil em situações cotidianas, tomando formas, às vezes, distorcidas, ou seja, pensamentos mágicos misturados com elementos da realidade. Isso leva os adultos a desconfiarem da credibilidade da situação.
É esta mistura de realidade e fantasia que possibilita a criança a imaginar e viajar, criando histórias absurdas ou lógicas, porém, irreais sobre o mundo que a cerca.
A partir da idade escolar (6 a 7 anos) essas criações fantasiosas tendem a diminuir, pois a visão de mundo e realidade já começa a estruturar-se de forma que a criança desenvolve maior habilidade para compreender o que se passa de forma concreta e real no ambiente.
Assim sendo, é nesse momento que as crianças que convivem em ambientes onde as pessoas utilizam a mentira para tirar vantagem ou beneficiar-se de alguma situação, começam a aprender também a criar histórias ou situações que possam lhe trazer algum "lucro".
Nesta fase, a criança já tem clareza para distinguir o real do imaginário e compreender quando tem benefícios ao utilizar a mentira como recurso (se isentar da culpa de alguma atitude inadequada, por exemplo).
Nestes casos, podemos considerar que a criança está mentido, muitas vezes, até com certa convicção, o que chega a nos colocar em dúvida sobre a veracidade da questão. Quando os pais ou professores começam a perceber que a criança está mentindo nas situações cotidianas é o momento de avaliar a rotina da família e das pessoas com as quais ela convive.
Algumas vezes, os adultos acham que "pequenas mentiras" não influenciam o comportamento infantil. Porém, nesses momentos a criança pode estar atenta a essas atitudes e buscar formas de repetir em outras situações. O diálogo é sempre a melhor saída.
Quando o adulto desconfia ou detecta a mentira é importante dizer com clareza para a criança que você sabe o que se passa e não concorda com sua versão da história ou que você está em dúvida com relação a determinada situação, na tentativa de estimular que ela repense sobre sua atitude.
Outra coisa indispensável é a abertura da família para receber a verdade, repreender de forma tranquila atitudes inadequadas, priorizando a honestidade nas relações e valorizando sempre os bons comportamentos.