Anna Hirsch Burg é psicóloga formada pela Pontifícia Universidade Católia de São Paulo. Fez sua formação em psicanálise...
i'A mulher perdoa as infidelidades, mas não as esquece. O homem esquece as infidelidades, mas não as perdoa" - Severo Catalina
Apesar de vivermos em uma época onde tudo é descartável, desde objetos até pessoas, saber da traição do parceiro amoroso ainda é um dos maiores sofrimentos psíquicos de que padece o ser humano.
Na infidelidade é necessário lidar com o fato de ter sido preterido. Entrar em contato com essa realidade provoca uma gama de sentimentos que, inevitavelmente, não escaparão de tocar na ferida maior: o intolerável sentimento de saber-se limitado e incompetente em manter a exclusividade amorosa com o parceiro.
Não farei uma análise da sociedade monogâmica e nem questionarei se em outras culturas a infidelidade é vivida de outra maneira, pois, além de não ser meu propósito aqui, não tenho a resposta. O que sei é que os relatos que escuto tanto no consultório quanto fora dele falam de uma dor intensa, pungente e quase intolerável ao descobrir-se traído.
A entrada de um terceiro onde antes havia só dois acrescenta ao pacote da dor da perda a quebra de um pacto de confiança que se julgava ter com aquela pessoa tão íntima e próxima. Lidar com essa desilusão é tarefa árdua ou mesmo hercúlea, eu diria.
Para quem foi traído, num primeiro momento, não importa se foi uma escapada numa tarde ou produto de bebedeira de balada: o choque é o mesmo - imenso.
O que dizer quando se descobre que seu parceiro mantém um caso há meses ou anos? A perplexidade perante o fato não raro paralisa a alegria de viver. Vemos pessoas que, traídas, ficam incapacitadas de trabalhar ou realizar os menores compromissos cotidianos por dias, semanas, meses...
Não raro, os casais, após muita choradeira e quebradeira, tentam passar uma cola nos cacos da relação e fazem novos pactos para contornar e evitar o medo da perda. Os acordos vão desde a proposta de tentar apagar o fato e começar a relação supostamente do zero até a proposta de liberdade de poder ter outros parceiros.
Alguns casais optam por seduções em parceira. Começam a frequentar casas de swing ou buscam outras maneiras de realizar sexo a três ou grupal: cria-se uma colcha de retalhos que encobre o relacionamento na tentativa de evitar um olhar mais profundo para o que, de fato, incomoda em si e no outro.
Sabemos que a sexualidade humana é vasta e plástica, mas, se estendida a vários parceiros, muitas vezes pode se transformar apenas numa tentativa de escapar da possibilidade da perda, acrescida de riscos emocionais e físicos.
Embora dolorido, há casais que, após a descoberta traumática da infidelidade, conseguem fazer um rearranjo onde um novo pacto passa a dar conta da relação. Já outros casais pedem a separação. Como explicar aqueles que nada decidem, nada fazem além de monotematicante "discutir a relação"?
Não estou só falando de casais que tem como "desculpa" filhos e situação econômica. Falo também dos inúmeros casais das mais variadas faixas etárias, em que cada um, apesar da independência financeira e inexistência de filhos, não atam nem desatam. O que os prende um ao outro?
Para a psicanálise o amor é uma lembrança de completude da qual o umbigo é a mais fiel testemunha. Freud diz que todo ser humano vive um sentimento de desamparo e solidão resultante do corte entre a mãe e o filho, o que nos faz rastreadores da completude perdida. Essa é a matriz de toda relação amorosa. Portanto, quando se escolhe um parceiro amoroso, estamos tentando viver novamente uma completude infantil imaginária.
Saiba mais: Traição: entenda os sentimentos de quem descobre que foi traído
As separações tocam em pontos muito sensíveis da história pessoal. Todas as suas relações ao longo da vida serão afetadas pela maneira como viveu inconscientemente essa perda.
Quando um relacionamento sobrevive a uma infidelidade, uma terapia de casal é aconselhável para ajudar a desvendar sentimentos mais profundos que estão ocultos na dinâmica inconsciente do casal e auxiliar na instalação de uma relação mais digna ou no processo de separação.
Em resumo, como brilhantemente diz o escritor e poeta mexicano Octavio Paz: "A infidelidade em si mesma poderia não ser grave, mas fere profundamente o outro. Isso todos nós sabemos pela experiência".