Evelyn Vinocur é doutora em Pediatria, graduada em 1978 pela Universidade Federal Fluminense (UFF), especialista em Pedi...
iTodos nós fomos criados e educados para sermos crianças felizes e saudáveis. Quase todas as mães, das tantas com quem eu já conversei me confessaram ter feito um mesmo pedido: o de que o filho fosse saudável, feliz, que tivesse uma boa esposa e um bom emprego na vida. Afinal, ter um filho belo, perfeito e bem de vida, é desejo da grande maioria das mães. Ocorre que ao longo da caminhada da vida nem sempre a criança se desenvolve conforme o desejado. É o caso das crianças desafiadoras, rebeldes e agressivas. Desde cedo na vida, muitas famílias sofrem com este problema e os pais ficam desesperados e sem chão, sem saberem o que fazer e a quem recorrer.
Marina* e seu marido levaram o filho Pablo*, de nove anos, ao meu consultório, há mais ou menos um ano. Visivelmente estressados, cada um sentou-se em uma das pontas do sofá, olhando para frente. Pablo sentou-se na poltrona e se comportava como se a consulta não tivesse nada a ver com ele. Ficou assoviando e cantarolando baixinho. Marina começou a chorar. O esposo irritou-se com ela e foi o primeiro a falar. Ele culpou a esposa de não saber educar o filho, motivo este pelo qual Pablo era daquele jeito, sem nenhum respeito a quem quer que fosse. Marina culpou o esposo, por ser um pai ausente e dar maus exemplos dentro de casa, como a fonte de todos os problemas do filho.
Em seguida, Marina me entregou o boletim do menino, com notas vermelhas em todas as matérias. E uma carta de advertência da escola, dizendo que se ele chegasse atrasado novamente, seria suspenso da escola por dez dias. E depois, outra carta, mais recente, solicitando avaliação do estado emocional de Pablo. Enquanto eu lia a carta, os pais discutiam e se acusavam mutuamente. Ao terminar de ler a carta da escola, fiquei observando os pais. Esperei que eles parassem de falar. Ao fim de uns longos sete a oito minutos, veio o silêncio. É incrível como o desespero e a hostilidade tomam conta do ambiente.
Pedi aos pais que se acalmassem, que respirassem fundo e que tentassem ficar mais neutros e com menos ressentimentos e culpas, para que eu pudesse entender o que estava acontecendo com a família e com o Pablo. Afinal, após uma hora de consulta, eu pude constatar como aqueles pais estavam despreparados para lidar com o mau comportamento e com o insucesso escolar do filho. Várias metas foram traçadas para o tratamento de Pablo, que incluía muito mais do que somente o uso de medicamento. Os pais precisavam se entender, estar em sintonia, falar a mesma linguagem. Os pais precisavam estar unidos e sem mágoas e rancores.
Nessas situações, não há culpados e sim pessoas sofrendo e em busca de soluções melhores. Técnicas de resolução de problemas e estratégias de convivência foram ensinadas aos pais de Pablo, que precisavam mudar algumas coisas no modo como estavam educando o filho e no próprio funcionamento da dinâmica familiar. Estreitar os laços com a escola foi também necessário uma vez que uma parceria positiva com os professores seria fundamental para a melhora de Pablo na sua escolarização e comportamento.
A realização de registro de atividades diárias ajudou o casal na conscientização da criação de metas mais motivadoras para a mudança tanto dos pais como a de Pablo. Todos teriam que colaborar. Todos precisariam mudar. Todos seriam responsáveis e ninguém seria culpado de nada. Foi estabelecido um horário para que a família pudesse conversar, cada um fazendo suas críticas ou dando suas sugestões e opiniões. O casal foi convidado a participar de grupos de apoio para pais de crianças com problemas de comportamento, tendo sido esta uma medida econômica e de grande eficácia para toda a família. Vários estudos, como o de Michael Donnelly e colaboradores (2012), demonstram a importância de intervenções comportamentais e cognitivo-comportamentais feitas com grupos de pais, por serem eficazes e de baixo custo além de melhorarem problemas de conduta da criança, de saúde mental dos pais e de competências parentais em curto prazo. As consequências deletérias para as famílias que não se tratam são visíveis na saúde da família em longo prazo, nos custos sociais, educacionais e legais associados a problemas de conduta na infância.
* Nomes fictícios
Referências:
Dennis JÁ et al., 2011Coren E. et al., 2004