Gastroenterologista formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pelo Hospital das Clínicas de Porto...
iO que é Cisticercose?
Teníase e cisticercose são duas doenças causadas por um verme chamado tênia, mas elas diferem em sintomas, gravidade e forma de contágio. Podendo se manifestar tanto em animais como em humanos, a cisticercose pode causar problemas no cérebro, nos músculos e em outros tecidos.
Os sintomas da doença dependem de onde a larva se aloja após a eclosão dos ovos ingeridos – e quando não é tratada, pode evoluir para um quadro de cisticercose disseminada, em que há larvas do verme por todo o corpo. Isso inclui especialmente músculos, olhos e o sistema nervoso. No último caso, as implicações de saúde podem ser graves.
O estágio de maior gravidade ocorre quando os parasitas estão localizados no sistema nervoso central, causando a neurocisticercose.
Causas
Agentes causadores
Os agentes etiológicos da cisticercose são as tênias, vermes longos em forma de fita que se alojam no intestino. Em animais, três tipos de tênia (também conhecida como solitária) podem causar cisticercose, mas, em humanos, apenas a Taenia solium provoca a doença.
A principal diferença entre teníase e cisticercose, inclusive, é justamente a causa da doença. Enquanto a primeira é adquirida quando se consome carne de porco o boi que contém cisticercos (larvas do verme), a segunda acontece quando há ingestão dos ovos da solitária.
Geralmente, esta ingestão ocorre pela água e por alimentos contaminados com fezes de animais infectados. Ainda assim, ela pode ocorrer também ao levar a própria mão contaminada à boca.
Ciclo da cisticercose
Na teníase, o humano é o hospedeiro definitivo do verme, seja ele a Taenia solium ou a Taenia saginata. Nela, a larva ingerida se transforma em um verme adulto que se instala no sistema digestivo. Já na cisticercose, o humano é o hospedeiro intermediário da Taenia solium – ou seja, ela começa com a ingestão de ovos da tênia.
O ciclo da cisticercose funciona da seguinte forma: uma pessoa ou animal que tem o verme no corpo elimina fezes contendo ovos do parasita. Através, geralmente, da água, estes ovos chegam ao meio ambiente, podendo contaminar alimentos. Uma vez presentes nos alimentos, eles podem ser consumidos por animais ou seres humanos – e, quando isso acontece, os ovos eclodem no organismo, liberando as larvas.
Através da corrente sanguínea, as larvas se alojam no tecido do corpo formando os chamados cisticercos. Eles podem se instalar, por exemplo, na pele, nos músculos, no cérebro e até nos olhos – mas este não é o ciclo comum do verme.
Segundo o gastroenterologista Jerônimo De Conto, a cisticercose no organismo humano ocorre porque podemos nos tornar hospedeiros intermediários “acidentais” no ciclo de vida do parasita. O ciclo só se completa quando o verme adulto chega ao organismo humano – e, para isso, ele precisa que os cisticercos se alojem em carnes consumidas por nós (ou seja, a de animais), não na nossa.
Transmissão
A cisticercose é única e exclusivamente transmitida através da ingestão de alimentos (como frutas e verduras) que tenham entrado em contato com fezes humanas contaminadas por ovos de tênia. A utilização dos resíduos fecais humanos como adubo tem o potencial de provocar isso, assim como o consumo de água que possa ter contato com esses dejetos.
O surgimento da cisticercose, portanto, está relacionado a questões de saneamento básico e higiene, uma vez que a doença é causada pela ingestão acidental de substâncias contaminadas.
Tipos
O tipo da cisticercose varia de acordo com o local em que as larvas ficam alojadas. Uma vez que a doença não é tratada logo no início (o que é frequente devido à falta de sintomas), ela pode se tornar uma cisticercose disseminada – ou seja, aquela em que as larvas se alojam por todo o corpo. Desta forma, pode haver as seguintes variações da doença:
- Cisticercose intramuscular (nos músculos);
- Cisticercose ocular (nos olhos);
- Neurocisticercose (no cérebro).
Forma mais grave da cisticercose
A neurocisticercose é a forma mais grave da cisticercose devido às implicações que pode causar ao organismo. Quando o cisticerco se aloja no cérebro, ele gera um processo inflamatório que obstrui o fluxo do líquido cérebro-espinhal, podendo causar os mais variados distúrbios neurológicos.
Nestes casos, quando o problema não é descoberto e tratado, é possível que a doença ocasione, por exemplo, um derrame, condição potencialmente fatal.
Sintomas
Os sintomas da cisticercose variam de acordo com o local em que os cisticercos se formam. Muitos casos, inclusive, são assintomáticos, e só são identificados durante a realização de exames de imagem que exibem larvas calcificadas pelo corpo.
Ainda assim, quando aparecem, os sintomas podem incluir:
- Nódulos pelo corpo que podem doer ou restringir movimentos (decorrentes da instalação da larva na musculatura);
- Problemas oculares;
- Convulsões;
- Epilepsia;
- Hidrocefalia;
- Alterações comportamentais;
- Dores de cabeça;
- Falta de equilíbrio.
Diagnóstico
Para diagnosticar a cisticercose, são realizados exames de imagem como radiografias, tomografias, ultrassonografias ou ressonância magnética. Estes são capazes de identificar as larvas ou os cisticercos pelo corpo em casos de cisticercose disseminada.
Além desses, há ainda o exame feito a partir do líquido cefalorraquidiano no cérebro e exames de sangue.
Tratamento
O tratamento da cisticercose dependerá do estágio do quadro e do local em que os cisticercos estão alojados. Em alguns casos, como em quadros nos quais o paciente tem apenas cisticercos calcificados (ou seja, mortos), o tratamento pode nem sequer ser necessário.
Nos quadros sintomáticos em que há cisticercos vivos, é possível utilizar medicamentos antiparasitários. Isso, no entanto, tende a deixar os sintomas temporariamente mais agudos – e, portanto, trata-se também o processo inflamatório.
Já em quadros de neurocisticercose, o tratamento foca em amenizar os sintomas e corrigir as complicações da doença. Sob algumas circunstâncias – como em casos de hidrocefalia -, pode ser indicada a realização de cirurgia para a remoção do cisticerco do cérebro.
Chamada de neuroendoscopia, ela é realizada com aparelhos de alta tecnologia a partir de uma incisão mínima no crânio. Nela, é introduzida uma sonda que retira o cisticerco.
A cirurgia também pode ser recomendada em alguns casos de cisticercose ocular.
Medicamentos
Como o tratamento para cisticercose pode focar tanto na eliminação dos cisticercos vivos quanto no manejo dos sintomas, ele inclui tanto medicamentos antiparasitários quanto anti-inflamatórios. É possível, por exemplo, que os seguintes remédios estejam envolvidos:
- Praziquantel;
- Albendazol;
- Metilprednisolona;
- Dexametasona.
Tem cura?
Sim, é possível curar um quadro de cisticercose com medicamentos antiparasitários, anti-inflamatórios ou cirurgias. Cisticercos calcificados que não causam sintomas, porém, tendem a não ser retirados e não são afetados pela medicação. Sendo assim, eles permanecem no corpo do paciente nos tecidos em que estiverem alojados.
Prevenção
Para melhor controlar as doenças parasitárias, algumas medidas de controle são indicadas pelo Ministério da Saúde e órgãos oficiais responsáveis. O objetivo é romper o ciclo dos vermes, forma mais eficaz de prevenir cisticercose e teníase.
Entre as principais recomendações estão:
- Higienizar sempre as mãos, principalmente antes de se alimentar e após usar o banheiro;
- Não utilizar fezes humanas como adubo;
- Não irrigar a horta com água de rio;
- Higienizar corretamente os alimentos;
- Tomar água apenas tratada ou filtrada;
- Não defecar em locais impróprios;
- Bloqueio de foco do complexo teníase/cisticercose;
- Fiscalização de origem da carne comercializada;
- Fiscalização de produtos de origem vegetal;
- Cuidados na criação de porcos;
- Saneamento básico para deposição adequada de dejetos.
Referências
Milton Monteiro Junior, enfermeiro infectologista do Hospital HSANP
Fernando Bagnariolli, biólogo
Irigrácin Lima Diniz Basílio (CRM: 5169/PB), gastroenterologista membro titular da Federação Brasileira de Gastroenterologia
Doenças Infecciosas e Parasitárias: Guia de Bolso, Volume II, 3ª edição, pág. 143 - Ministério da Saúde Brasília/DF - junho 2004. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/doencas_infecciosas_parasitaria_guia_bolso.pdf
Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), Estados Unidos