Graduação e Residência Médica pela Universidade de São Paulo - USP. Título de especialista em Genética Médica pela Socie...
iJornalista especializado na cobertura de temas relacionados à saúde, bem-estar, estilo de vida saudável e à pratica esportiva desde 2008.
iO que é Doença de Wilson?
A doença de Wilson é um distúrbio geneticamente determinado do metabolismo do mineral cobre. Esta condição cursa com graus variáveis de envolvimento neurológico, psiquiátrico, hematológico ou hepático. Vale ressaltar que o grau de envolvimento, os órgãos acometidos e a idade de início dos sintomas (que geralmente vai dos três aos 60 anos de idade) são muito variáveis, mesmo em indivíduos de uma mesma família.
Causas
Mutações deletérias, que prejudicam a função, em ambas as cópias do gene ATP7B são responsáveis pela doença de Wilson. O gene ATP7B codifica um canal intracelular de cobre que tem papel fundamental no transporte deste mineral pelo nosso organismo. Sua principal ação é o acoplamento do cobre à ceruloplasmina, que vai carregar o cobre às diferentes partes do corpo. Este canal também tem função primordial na remoção do cobre das células do fígado.
- O mal funcionamento deste canal de cobre, decorrente de mutações genéticas, promove dois eventos principais: 1) A ligação do cobre com o seu transportador ceruloplasmina fica comprometida e ocorre depósito anômalo do mineral em diferentes órgãos e tecidos
- 2) As células do fígado, que são as responsáveis pela eliminação do excesso de cobre do organismo através da bile, não conseguem suprir esta função de maneira adequada e também acabam por acumular o mineral.
- Este depósito/acúmulo anômalo de cobre promove disfunção dos diferentes órgãos e, consequentemente, os sintomas clínicos.
- Herança Genética
Assim como a grande maioria das doenças metabólicas de origem genética, a doença de Wilson apresenta herança autossômica recessiva. Desta forma, cada irmão ou irmã de um indivíduo afetado tem 25% de chance de também apresentar a doença de Wilson; enquanto que os pais e filhos de um indivíduo afetado têm chance muito baixa (cerca de 1%) de também serem afetados.
Tipos
Não existe uma classificação ou subdivisão clínica na doença de Wilson. Porém, observa-se que existe uma gama distinta de sintomas e intensidade variável de acometimento em cada pessoa afetada.
Sintomas
Conforme já mencionado anteriormente, os sintomas apresentados pelos pacientes com doença de Wilson são decorrentes do depósito anômalo de cobre nos diversos órgãos e tecidos. Existe uma grande variabilidade de sintomas. Os principais são neurológicos, psiquiátricos, hematológicos e hepáticos.
- Os acometimentos neurológicos comumente achados envolvem tremores, perda de coordenação, piora do controle motor fino (isto pode ser percebido com a piora da escrita e dificuldade em movimentos que exigem precisão), movimentos involuntários de grande amplitude, alteração da marcha (maneira de andar anômala), rigidez, dificuldade de deglutição, alteração da fala, entre outros
- A anemia por destruição direta das hemácias (anemia hemolítica) pelo excesso de cobre é o principal distúrbio hematológico
- A depressão é a manifestação psiquiátrica mais comum. No entanto, também observa-se fobias, comportamentos compulsivos, agressão
- O fígado é o principal órgão acometido. Deste acometimento, podem advir os seguintes achados: icterícia (aumento de bilirrubinas), hepatite (destruição das células do fígado) e cirrose hepática, em estágio mais avançado da doença
- Outros achados incluem os famosos anéis de Kayser-Fleischer na córnea (observados pelo oftalmologista), alterações renais (presença de hemácias ou proteína na urina), osteoporose, pancreatite, alterações cardíacas (arritmia, dilatação cardíaca, insuficiência cardíaca)
- Existem ainda inúmeros sintomas inespecíficos, como fadiga, cansaço, indisposição.
Diagnóstico
Existem duas estratégias para diagnosticar a doença de Wilson: testes bioquímicos/metabólicos aliado à presença dos anéis de Kayser-Fleischer ou o teste do DNA.
- A estratégia bioquímica consiste em demonstrar níveis baixos de ceruloplasmina (que é o transportador de cobre) no sangue e níveis elevados de cobre livre (fração de cobre não ligada à ceruloplasmina) no sangue, na urina e nos órgãos acometidos, como o fígado. Muitas vezes, esta estratégia não é suficiente para estabelecer-se definitivamente o diagnóstico, já que muitos pacientes podem apresentar estes marcadores em níveis normais ou próximos da normalidade. Outro fator de dificuldade é que os anéis de Kayser-Fleischer não são presentes em todos os indivíduos acometidos
- A estratégia que se utiliza do teste do DNA permite definir o diagnóstico em cerca de 98% dos pacientes. Recomenda-se o auxílio do médico geneticista na solicitação e na interpretação deste resultado.
Exames
Os principais exames bioquímicos para o diagnóstico são: dosagem de ceruloplasmina e cobre no sangue; dosagem de cobre em amostra de urina de 24 horas; biópsia de fígado com dosagem direta de cobre.
- O teste de DNA para diagnóstico é o estudo do gene ATP7B. Quando a alteração neste gene é identificada, outros membros da família também podem ser pesquisados
- Os exames de seguimento clínico são variáveis de paciente a paciente e são guiados pelas manifestações apresentadas. Estes podem incluir dosagens seriadas de cobre e ceruloplasmina, enzimas hepáticas, provas de função hepática, estudo de coagulação, dosagem de cobre na urina, pesquisa de hemácias e proteína na urina e estudos de imagem, como ressonância magnética, entre muitos outros.
Buscando ajuda médica
Os sintomas que devem suscitar a suspeita da doença de Wilson são:
- Alterações neurológicas progressivas e sem definição de causa
- Alteração de comportamento
- Disfunção do fígado persistente e sem causa definida e a presença anéis de Kayser-Fleischer em exame de rotina com oftalmologista.
Tratamento
O objetivo do tratamento medicamentoso é diminuir os estoques de cobre no organismo. Desta maneira, o uso de quelantes de cobre (como penicilamina, que aumenta a excreção urinária de cobre) e suplementação oral com altas doses de zinco são estratégias importantes na doença de Wilson. O zinco evita a absorção do cobre pelo intestino e aumenta a fração de cobre eliminada nas fezes.
O uso de antioxidantes, como a vitamina E, pode trazer efeitos benéficos ao evitar a progressão dos danos ao fígado.
O transplante de fígado pode ser opção aos pacientes que não tolerem ou não respondam ao tratamento medicamentoso. Esta é a única modalidade terapêutica que promove a cura da doença. No entanto, é procedimento complexo, pode apresentar complicações e exige o uso contínuo de imunossupressores.
O tratamento deve envolver equipe multidisciplinar com hepatologista, neurologista, psiquiatra, oftalmologista, clínico geral ou pediatra (a depender da idade de início) e equipe de reabilitação.
Medicamentos
Os medicamentos mais usados para o tratamento da doença de Wilson e de alguns sintomas relacionados a ela são:
Somente um médico pode dizer qual o medicamento mais indicado para o seu caso, bem como a dosagem correta e a duração do tratamento. Siga sempre à risca as orientações do seu médico e NUNCA se automedique. Não interrompa o uso do medicamento sem consultar um médico antes e, se tomá-lo mais de uma vez ou em quantidades muito maiores do que a prescrita, siga as instruções na bula.
Tem cura?
O único tratamento que promove a cura da doença de Wilson com total normalização do metabolismo do cobre é o transplante hepático.
O controle clínico e medicamentoso pode evitar ou, ao menos, retardar a progressão da doença na maioria dos indivíduos. O tratamento deve ser instituído o mais breve possível, mesmo antes dos sintomas, e deve durar toda a vida.
Prevenção
O principal método de prevenção das complicações da doença de Wilson é o diagnóstico precoce. Esta é a chave para a adoção rápida do acompanhamento clínico e tratamento medicamentoso ideais.
Convivendo (Prognóstico)
Algumas mudanças nos hábitos alimentares devem ser adotados principalmente no início do tratamento da doença de Wilson. Alimentos ricos em cobre (como: carne de fígado, chocolate, cogumelos, mariscos e nozes) devem ser evitados.
Complicações possíveis
Quando não tratada, a doença de Wilson promove degeneração progressiva dos diversos órgãos e tecidos afetados. Entre as complicações, destacam-se:
- Progressão da doença hepática para cirrose e insuficiência hepática
- Degeneração neurológica com agravamento dos sintomas e demência progressiva
- Piora dos distúrbios comportamentais e acometimento de outros órgãos, como coração e rins.
Referências
- Caio Quaio, médico geneticista e certificado pela Educational Commission for Foreign Medical Graduates, especialista pela Sociedade Brasileira de Genética Médica (CRM-SP: 39.130)
- Ala A, Walker AP, Ashkan K, Dooley JS, Schilsky ML. Wilson's disease. Lancet. 2007
- 369:397–408
- Bull PC, Thomas GR, Rommens JM, Forbes JR, Cox DW. The Wilson disease gene is a putative copper transporting P-type ATPase similar to the Menkes gene. Nat Genet. 1993
- 5:327–37
- Deguti MM, Genschel J, Cancado EL, Barbosa ER, Bochow B, Mucenic M, Porta G, Lochs H, Carrilho FJ, Schmidt HH. Wilson disease: novel mutations in the ATP7B gene and clinical correlation in Brazilian patients. Hum Mutat. 2004
- 23:398.European Association for Study of Liver
- EASL Clinical Practice Guidelines: Wilson's disease. J Hepatol. 2012
- 56:671–85.