Evelyn Vinocur é doutora em Pediatria, graduada em 1978 pela Universidade Federal Fluminense (UFF), especialista em Pedi...
iO surgimento de um quadro depressivo durante a gravidez coloca a mulher diante de uma situação nova e de intenso sofrimento em uma fase marcante da vida. O fascinante tema, de crescente interesse científico, demanda expertise tanto por parte dos psiquiatras como dos médicos clínicos em geral.
No mundo, mais de 70% das mulheres apresenta alguma queixa ansiosa ou depressiva na gravidez. Estudos de prevalência mostram que mulheres em idade fértil têm em média uma probabilidade pelo menos duas vezes maior que os homens de apresentarem um episódio de depressão maior, sugerindo, ao contrário do que muitos pensam, que a gravidez não protege a mulher deste risco.
A prevalência de depressão maior na gravidez varia de 10 a 16% sendo que 25% das depressões pós-parto têm início na própria gestação. Apesar da alta frequência de queixas depressivas na gravidez, a percepção e o manejo dos sintomas psiquiátricos na gestação estão longe de receber a devida atenção dos ginecologistas e obstetras, tornando a questão preocupante na medida em que pode haver consequências negativas para a mãe e seu bebê. A presença de variações hormonais e de estressores socioambientais na gestação pode implicar em maiores riscos de ocorrência de transtornos mentais.
A remoção da placenta no parto acarreta queda abrupta das taxas hormonais e consequente aumento das alterações de humor e de quadros psicóticos na mãe. No bebê, o estresse pré-natal se associa à agressividade, hiperatividade, ansiedade, desatenção e prejuízo cognitivo durante o período do desenvolvimento neuropsicomotor.
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Como reconhecer o problema
A depressão gestacional pode cursar com queixas somáticas como insônia, falta ou ausência de apetite, enjoo e fadiga, que por serem comuns à gestação não devem ser vistas como sintomas depressivos. O comportamento introspectivo e a diminuição da libido também são comuns às duas situações. As queixas afetivas e cognitivas são as mais características da depressão gestacional e incluem humor deprimido, anedonia (ausência da sensação de prazer), choro fácil, ansiedade, medo, sentimentos de culpa, desesperança, irritabilidade e desinteresse pela gravidez.
A ideação suicida é relatada apesar do risco de suicídio nesta população ser baixo e até considerado um fator protetor por alguns autores. Outras situações que contribuem para a presença de depressão maior na gravidez são falta de planejamento, não aceitação, ambivalência, perda ou separação de um ente querido, fracasso escolar, desemprego, má condição de trabalho, dívidas, conflito conjugal, ausência do companheiro e falta de apoio familiar ou do cônjuge. Igualmente, história familiar de depressão, gravidez de risco, idade materna precoce (adolescência), grande número de filhos, distúrbio disfórico pré-menstrual (uma TPM mais intensa) e história prévia de abortos também se associam a maiores índices de depressão gestacional.
Mulheres com depressão prévia têm mais recaídas, as taxas podendo chegar a 80%, a maioria já no 1º trimestre da gravidez. É importante haver uma relação estreita e de confiança entre a gestante e seu médico ao longo da gravidez.
Tratando a depressão na gravidez
O tratamento adequado da depressão gestacional é fundamental para a boa saúde da mãe e seu bebê e compreende terapias somáticas e não somáticas. Nos casos leves recomenda-se a psicoterapia e o apoio psicossocial, já os casos moderados a graves têm demanda de tratamento farmacológico. Quando ocorrer uma depressão refratária a essas abordagens, com risco de suicídio ou psicose, a eletroconvulsoterapia é a intervenção mais indicada e mais eficaz.
A prescrição de medicamentos em grávidas exige a consideração de alguns pontos, como os potenciais danos da droga à gestante e ao feto, e por outro lado, os prejuízos da não medicação. Algumas possíveis consequências do uso de medicação podem ser aborto, morte neonatal, retardo do desenvolvimento fetal, parto prematuro, intoxicação ou abstinência ao uso da droga pelo recém-nascido e malformação fetal.
O maior medo relatado pelas mães é o risco de malformação fetal que vai do 12º dia (instalação da circulação feto placentária) à 12ª semana (término da formação dos órgãos). A prevalência desse problema é de 2 a 4% e em 70% dos casos a causa é desconhecida. Ou seja, em qualquer das opções (usar ou não o antidepressivo) é impossível garantir se o bebê vai nascer sem qualquer anomalia. A gestante em uso de medicação psicotrópica deverá permanecer em uso dela na gestação. A retirada do antidepressivo logo antes do pós-parto pode trazer risco significativo de recaída logo após o parto.
Outro ponto importante, mas frequentemente negligenciado, diz respeito aos riscos que uma depressão não tratada corretamente pode gerar à gestante, à gravidez e ao feto. Gestantes deprimidas apresentam taxas mais altas de não adesão ao pré-natal, maior uso de álcool, cigarros e outras substâncias psicoativas e padrão irregular de sono e alimentação.
Existe também uma relação entre depressão na gravidez e uma série de situações como pré-eclâmpsia, aborto, morte neonatal, parto prematuro, baixo peso ao nascer, baixo APGAR (teste feito no bebê recém-nascido), maior uso de UTI neonatal e mais dificuldade na formação do vínculo mãe-bebê. A presença de depressão aumenta pelo menos em três vezes o risco de depressão pós-parto.
Alguns cuidados devem ser tomados pelo psiquiatra ao prescrever a medicação, como optar pelas drogas mais estudadas, pela menor dose eficaz e se possível, por alguma medicação já usada com sucesso anteriormente pela gestante. Dos antidepressivos, os mais utilizados são os tricíclicos e os ISRS (inibidores seletivos de recaptação de serotonina). Os ansiolíticos benzodiazepínicos não fazem parte do tratamento da depressão gestacional, mas podem ser usados no início e em doses baixas. O reconhecimento e a correta abordagem da depressão no contexto obstétrico permitirão uma gestação mais tranquila e saudável à mãe e ao seu bebê.