Clínico geral e nutrólogo, diretor da clínica Dr. Roberto Navarro. Formado em Medicina pela Universidade Federal de Juiz...
iVolta à tona mais uma vez um assunto polêmico e antigo sobre o uso de moderadores de apetite (anorexígenos) no tratamento da obesidade, retirados das prateleiras das farmácias pela ANVISA no Brasil e agora, nova lei no senado federal volta a permitir sua comercialização. Gostaria de, antes de concluir o tema, que o leitor acompanhasse três casos diferentes de personagens fictícios, e no final do artigo, concluir qual deles realmente necessitaria de ajuda de tratamento para perder peso.
Caso 1
Na primeira personagem coloquei o nome de Maria. Ela sempre foi uma criança muito vaidosa e sempre que possível perguntava para as pessoas que conhecia se achavam que ela estava gorda. Sempre escutava a mesma resposta: "lógico que não, Maria, você parece até mais para magra!". Porém Maria achava que não, dizia que quando se via no espelho se achava "uma baleia". Já na vida adulta, Maria passou a fazer "dietas mágicas" ainda na busca de "perder peso", embora continuasse escutando de todas as amigas que ela estava com um corpo lindo e não precisaria emagrecer nada.
Descontente com o próprio corpo, Maria passou a marcar consulta com médicos que pudessem prescrever para ela medicamentos que lhe ajudasse a emagrecer e escutava sempre a mesma resposta: você não tem indicação de tomar medicamentos para perda de peso, pois está com o peso adequado.
Infelizmente Maria não aceitava esta afirmativa e passou a adquirir o hábito de se automedicar com inibidores de apetite, pois conseguia-os com o balconista da farmácia (dando um dinheirinho extra por fora), com a amiga obesa que fazia uso dos mesmos, com profissionais de saúde pouco éticos (que são exceção mais infelizmente existem, como em qualquer profissão) que prescreviam mediante pagamento da consulta e até mesmo pela internet, já que no país onde Maria morava a fiscalização das autoridades competentes sobre a comercialização dos anorexígenos pela web era falha.
Maria criou o "hábito" de tomar medicamentos para "emagrecer", embora não precisasse deles e ainda por cima tinha efeitos desagradáveis com o uso contínuo, como insônia, agitação, boca seca e irritabilidade.
Caso 2
A segunda personagem chamará Ana. Desde a infância, ela gostava de praticar esportes e também tinha uma alimentação saudável, hábitos adquiridos pela orientação dos seus pais que eram preocupados com a saúde da filha e que, aliás, também se cuidavam e tinham peso adequado.
Sempre teve um peso estável e nunca brigava com a balança. Continuou sempre ativa durante toda sua adolescência e sempre com a facilidade de se alimentar bem, já que sua mãe zelosa sempre enchia a geladeira de escolhas saudáveis e a comida na mesa era sempre pontual e de fácil acesso. E assim foi até a vida adulta.
Mas, após se formar na faculdade e começar a trabalhar, Ana passou a não ter mais "tempo" para praticar atividade física e se tornou sedentária. Também não tinha mais como manter aquela alimentação saudável e prática com a qual estava acostumada, a comida saudável na mesa sempre na hora certa.
Passou a não ter mais regra para comer e, sempre sobrecarregada com a carga de trabalho e sem tempo, comia qualquer tranqueira à sua volta e sua ansiedade, desencadeada pela cobrança diária das metas a serem batidas impostas pelo seu chefe, parecia contribuir para comer sempre mais, pois era uma forma de recompensar tamanho estresse já que ninguém pode negar que "comer" é um prazer de livre e fácil acesso. Após alguns anos com estes hábitos, sedentária e comendo errado, Ana ganhou 20 quilos à mais na balança.
Influenciada por uma amiga com personalidade imediatista, iniciou uso de medicamento anorexígeno para conseguir emagrecer, mas tinha alguns efeitos colaterais que a incomodavam, como boca seca, irritabilidade e insônia. Não tolerando os efeitos colaterais da medicação escutou de sua mãe: "Ana, por que você não volta com os hábitos saudáveis de antigamente para voltar a ter um peso adequado?". Ana então compreendeu que se não priorizasse sua saúde em detrimento aos hábitos inadequados, jamais emagreceria.
Se matriculou na academia e passou a comer adequadamente, como sempre fizera antigamente e depois de vários meses estava novamente com seu peso saudável, e não voltou a engordar, pois manteve os hábitos adequados de forma contínua. Não precisou mais recorrer aos medicamentos para emagrecer.
Caso 3
O terceiro personagem coloquei o nome de João. Veja sua saga: João já nasceu gordinho. Filho de pais obesos, seu pediatra era o primeiro a alertar seus pais que João estava com o peso sempre acima do esperado para sua idade e sua altura e que deveria ter uma alimentação vigiada e ser estimulado a praticar esportes.
Dono de uma "fome" imensurável, João tinha uma dificuldade enorme em comer menos e sempre comia bem mais que seus amiguinhos da escola, que o chamavam de "comilão". Já na adolescência, e sempre acima do peso, escutava dos médicos que se não perdesse peso poderia correr riscos de doenças cardiovasculares e diabetes quando adulto.
Consciente dos riscos, João passou a praticar esportes com frequência, mas percebia o quanto tinha dificuldade de perder alguns quilos, mesmo com a manutenção da atividade física. Seu maior vilão continuava a ser sua fome "descontrolada" que o dominava com tamanha força que recuperava o peso perdido com extrema facilidade.
Já adulto, quando João fazia exames de sangue e media sua pressão arterial, ficava assustado com as previsões catastróficas ditas pelos médicos: "João, se continuar com seu peso excessivo, você vai ficar diabético e ter complicações como pressão alta, infarto agudo do miocárdio, AVC e até mesmo maior chance de alguns tipos de câncer", alertavam os médicos.
João então assustado tentava sempre conseguir perder peso, mas seu metabolismo parecia lhe boicotar e sua maldita "fome excessiva" era sempre sua maior inimiga. Perdia peso com dificuldade e ganhava com facilidade. Já com oscilações na sua pressão arterial, colesterol alterado e quase diabético, João corria riscos reais na sua saúde, à curto, médio e longo prazo.
Resolveu então buscar ajuda médica e logo escutou do primeiro especialista que os novos conhecimentos científicos haviam descoberto que algumas pessoas nascem com alteração de genes que os tornam "hiperfágicos", ou seja, possuem uma fome excessiva e não conseguem comer volumes menores e também mutações de genes podem tornar nosso organismo "pouco gastador de energia" e ficar com um metabolismo "lento".
João então compreendeu porque seu corpo funcionava daquela maneira. Seu médico explicou que no nosso cérebro existe uma área que dá o comando para que a gente se alimente, chamado "centro da fome" e era justo ali o seu problema e provavelmente poderia ter também um metabolismo mais "econômico".
Explicou que os medicamentos chamados de "anorexígenos" foram pesquisados justamente para atuar na diminuição dos estímulos oriundos deste centro, diminuindo a fome excessiva e facilitando a perda de peso, desde que os hábitos adequados como atividade física frequente e alimentação balanceada sejam persistentes por "toda a vida", e não apenas pontual no início do tratamento.
Seu médico também lhe disse que estes medicamentos podem causar alguns efeitos colaterais que tendem a ser passageiros na maioria dos casos, mas para algumas pessoas estes efeitos colaterais eram mais intensos e justificaria a descontinuidade do seu uso. Bastava então João saber em qual dos grupos ele estaria.
Iniciou então o uso de um dos medicamentos anorexígenos, na dose correta e com supervisão rigorosa do seu médico especialista e com grande experiência na prescrição desse tipo de remédio.
Na primeira semana sentiu a boca ficar um pouco seca e se sentiu um pouco agitado, tendo ficado com o sono um pouco prejudicado. Já na segunda semana de uso, sempre sendo monitorado pelo seu médico, estes sintomas desagradáveis foram cedendo e já a partir da terceira semana estava bem adaptado à medicação, não sentindo mais os sintomas do inicio do tratamento.
Já na balança, João ficava cada vez mais contente, pois com uma fome mais controlada e o metabolismo otimizado, mantendo as atividades físicas de maneira frequente e alimentação adequada diariamente , o ponteiro não parava de baixar.
Com a perda de peso e hábitos saudáveis, João viu sua pressão arterial ficar controlada, seus exames laboratoriais se normalizarem e sua previsão de ficar diabético e ter complicações cardiovasculares irem por água abaixo. Satisfeito com os resultados, seu médico informou que sempre que for necessário João será medicado se voltar a ganhar peso.
Conclusão
Expostos os três casos acima, acredito que os leitores concordariam que apenas o João tinha indicação real em usar medicação para perder peso, pois seus riscos na saúde eram bem maiores e reais do que um "possível" efeito colateral ocasionado pela medicação, que no caso do João nem persistiu.
É o que todo médico deve analisar quando opta pela prescrição de um medicamento, ou seja, analisar seus benefícios em relação aos seus riscos e se os benefícios forem sem dúvida maiores, o medicamento deverá ser prescrito, caso contrário, deve ser evitado.
Já Ana, além de não tolerar a medicação não precisava realmente do remédio e sim retornar aos seus hábitos adequados de vida, já que sua genética era favorável. Já Maria nem deveria "passar perto" da medicação anorexígena, pois além de não ter indicação do uso, também tinha distúrbio da imagem corporal e deveria ser abordada de outra maneira, com psicoterapia de apoio.
Mas, acredite, antes da proibição dos anorexígenos, seu uso era totalmente vulgarizado e indiscriminado, o que contribuía com o aumento do número de pessoas com "efeitos colaterais" e também gerando "lucro" no mercado "negro" paralelo da venda de anorexígenos, mesmo sem receita médica, infelizmente tão comum no nosso país.
Ao olhar da medicina, a obesidade, como no caso do João, é interpretada como uma doença crônica degenerativa: crônica por não ter "cura" e sim "controle" e degenerativa, pois se não for tratada levará a complicações médicas inevitáveis, assim como é o caso da hipertensão arterial, diabetes Mellitus, doenças reumáticas, insuficiência coronariana, Alzheimer, câncer entre outras.
Por este motivo João foi medicado, para que não desencadeasse uma doença degenerativa. Já pensou você leitor, que tem pressão alta, diabetes, insuficiência coronariana tivesse seus medicamentos de uso contínuo retirado das prateleiras das farmácias?
A obesidade no Brasil vem crescendo assustadoramente, embora acredito que nem todos que estão acima do peso são iguais ao caso do João, e bastaria uma mudança de hábitos para voltar ao peso adequado. Mais quantos pacientes como João estarão nestas estatísticas? Cabe à classe médica saber avaliar caso a caso e definir de maneira adequada quem realmente precisa ser medicado e, se assim for necessário, dispor de medicamentos específicos para o tratamento.
Por isso, a ABRAN (Associação Brasileira de Nutrologia), a SBE (Sociedade Brasileira de Endocrinologia) e a ABESO (Associação Brasileira para Estudo da Obesidade) são favoráveis à prescrição dos medicamentos antiobesidade, desde que haja uma fiscalização rigorosa sobre o uso e a venda dos mesmos e punindo os maus profissionais que prescrevem de maneira inadequada e irresponsável, não respeitando as indicações e as contraindicações, como deve ser feito quando se prescreve qualquer medicação para qualquer doença.