Houve um tempo em que criança rechonchuda era sinônimo de criança saudável. De certa forma, havia bons motivos para a sociedade acreditar nesse conceito. Era uma época em que não existiam antibióticos e acreditava-se que criança gordinha era mais forte e capaz de resistir às infecções. Além disso, a desnutrição infantil no Brasil foi o maior problema de saúde pública do país. Nos anos 70, cerca de 30% das crianças entre 5 e 9 anos estavam com déficit de altura, um forte indicador de desnutrição de longa data na infância.
Desnutrição é um estado patológico causado pela falta de ingestão ou absorção de nutrientes. Dependendo da gravidade, a doença pode ser dividida em primeiro, segundo e terceiro grau. Existem casos muito graves, cujas consequências podem chegar a ser irreversíveis, mesmo que a criança continue com vida. Entretanto, a desnutrição pode ser leve e traduzir-se, sem qualquer registro de sintomas, numa dieta inadequada.
Já a obesidade é uma doença que cursa com o acúmulo excessivo de gordura corporal e tem múltiplos fatores causais. A alimentação com excesso de calorias e desequilíbrio de nutrientes somado ao baixo nível de atividade física é a principal causa do excesso de peso. Lembrando que a obesidade genética corresponde a uma pequena parcela, representando 5% a 7% dos casos de obesidade.
O desenvolvimento do Brasil e a distribuição de renda menos desigual ocorrido nas últimas décadas trouxeram melhores condições vida para a população. Com melhores condições financeiras, a população passou a consumir mais produtos e também alimentos industrializados, favorecendo ao que chamamos de transição nutricional. Ocorreu redução progressiva da prevalência de desnutrição infantil e elevação, ao mesmo tempo em que o sobrepeso e a obesidade tornaram-se um dos principais problemas de saúde pública.
Segundo dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF-IBGE), em quatro décadas a prevalência de déficit de altura em crianças de 5 a 9 anos caiu enquanto que ocorreu aumento explosivo, principalmente nas últimas duas décadas, do excesso de peso corporal e obesidade nesta mesma faixa etária. Os índices de obesidade quadruplicaram entre meninos (de 4,1% em 1989, para 16,6% em 2009) e meninas (de 2,4% em 1989 para 11,8% em 2009).
O acúmulo de gordura corporal na infância provoca alterações no metabolismo hormonal irreversíveis, que aumentam o risco para doenças cônicas não transmissíveis como diabetes, hipertensão e o entupimento das artérias. Diversos tipos de câncer, distúrbios ortopédicos e diminuição da capacidade respiratória também podem ser citados como consequências graves da obesidade.
Apesar do excesso de peso, as crianças estão ao mesmo tempo desnutridas. É um tipo de desnutrição que está ligada à falta de nutrientes e não, necessariamente, de comida. A criança com obesidade ingere com frequência alimentos concentrados em calorias, mas a qualidade e quantidade de micronutrientes é inapropriada.
A deficiência nutricional das crianças com sobrepeso/obesidade é consequência do hábito alimentar baseado em fast food, salgadinhos e guloseimas (alimentos pobres em nutrientes importantes para o desenvolvimento adequado da criança) associado às muitas horas de sedentarismo.
Além da influência exercida pelas calorias vazias da dieta, estudos recentes provam que a deficiência de nutrientes (vitaminas, minerais e ácidos graxos essenciais) dificulta a perda de peso e favorece ainda mais ganho de gordura corporal. Os micronutrientes têm grande influência no aumento ou diminuição do peso, pois participam do metabolismo energético e na secreção e ação da insulina entre outros processos orgânicos.
Para reverter esse quadro a mudança começa em casa com a melhora dos hábitos alimentares de toda a família. Os pais são os primeiros modelos de comportamento para as crianças. O primeiro passo é fazer refeições balanceadas e repletas de alimentos naturais e ricos em nutrientes, além de praticar regularmente atividade física. Não é preciso colocar a criança na natação duas vezes por semana desde pequena. Nem sempre atividade é sinônimo de esporte. Ser ativo é correr, sair, passear, brincar e interagir com a criança.
A seguir alguns nutrientes que merecem atenção especial em crianças com sobrepeso e obesidade:
Ferro
Entre os problemas de saúde mais comuns na infância, a anemia representa uma das carências de maior prevalência em nível mundial, afetando especialmente os países em desenvolvimento. Crianças com excesso de peso também desenvolvem anemias por deficiência de ferro. Os mecanismos pelo qual a obesidade e a deficiência de ferro estão interligadas, ainda não estão totalmente esclarecidos. A baixa ingestão e o aumento das necessidades de ferro podem ser as principais causas da carência. A inflamação causada pelo excesso de gordura corporal promove desgaste das reservas de ferro no corpo.
O ferro é um nutriente fundamental para todo o organismo e participa de processos vitais como o transporte de oxigênio. Um sintoma comumente reportado na deficiência de ferro é a fadiga. A sensação de cansaço e baixa energia impactam no bem-estar e prejudicam as funções cognitivas de memória e aprendizado da criança. Fontes de ferro são carnes, frutos do mar, nozes, castanhas, feijões, sementes e folhosos verde escuros.
Zinco
Períodos de crescimento rápido, como na infância e adolescência, são particularmente mais vulneráveis à carência de zinco dietético. Estudos relatam a ocorrência de deficiência deste mineral em crianças com sobrepeso/obesidade. A baixa concentração de zinco pode ser causada por alguns fatores: alto consumo de alimentos ricos em cálcio (leite e derivados) ou simplesmente pela ingestão baixa de alimentos contendo zinco. O zinco é um mineral essencial para o desenvolvimento e crescimento. Ele também ajuda a manter o sistema imunológico para combater doenças infecciosas. Além disso, a deficiência de zinco pode aumentar ainda mais o depósito de gordura e reduzir a massa muscular corporal, favorecendo o sedentarismo e o ganho de peso. Deste modo, se faz necessária a ingestão de alimentos fontes de zinco como carnes, frutos do mar, aves, amendoim, semente de abóbora, nozes e castanhas.
Cálcio
Crianças obesas apresentam alta prevalência de deficiência de cálcio. A falta desse mineral na infância pode prejudicar o crescimento e levar a osteoporose na vida adulta. O consumo de refrigerante, principalmente do tipo cola, é uma das principais razões da redução do cálcio na dieta das crianças. Os refrigerantes são ricos de cafeína, sódio e fósforo que diminuem a quantidade dessa substância no corpo através do bloqueio da ação do cálcio e aumento de sua eliminação pela urina. Segundo pesquisas norte-americanas, 57% das crianças entre quatro e seis anos ingerem uma quantidade de cálcio abaixo do necessário. Boas fontes de cálcio são: sardinha, brócolis, laticínios, semente de abóbora, semente de linhaça, semente de gergelim, folhosos verde escuros.
Vitamina A
A deficiência de vitamina A é considerada um problema grave e de acordo com a Organização Mundial de Saúde, cerca de 2,8 milhões de crianças em idade pré-escolar no mundo são clinicamente afetadas pela hipovitaminose A. A deficiência grave desta vitamina geralmente ocorre em crianças desnutridas com baixo peso, mas formas mais leves de deficiência podem ser vistas em crianças com sobrepeso. As causas da carência de vitamina A são a ingesta inadequada de vitamina A e os surtos infecciosos que consomem a vitamina pelo sistema imunológico. Produtos de origem animal são fontes de vitamina A, enquanto que frutas e hortaliças amarelas e vermelhas são fontes de pró-vitamina A.
Vitamina E
Estudos mostram a ocorrência de baixo consumo e reduzido níveis sanguíneos de alfa-tocoferol (vitamina E) em adultos e também em crianças e adolescentes obesos. E sabe-se que esta carência está associada ao maior risco de doenças cardíacas. Boas fontes de vitamina E são óleos vegetais como azeite de oliva e óleo de canola e sementes como linhaça, abóbora e girassol.
Vitamina C
Crianças acima do peso em geral tem alimentação deficiente em frutas e vegetais, principais fontes naturais de vitamina C. O ácido ascórbico é um micronutriente importante para o crescimento e desenvolvimento adequado da criança. Participa do bom funcionamento digestivo, do sistema imunológico e da formação de esqueleto, entre outras funções.
Ácidos graxos essenciais
Crianças com sobrepeso/obesas não tem o hábito de consumir peixes gordurosos, oleaginosas (como nozes, castanhas, amendoim e pistache) e sementes (como girassol, linhaça, chia e abóbora), que são fontes de gorduras importantes para o sistema nervoso e imunológico. Na infância seus efeitos estão sendo estudados e já se observaram efeitos positivos na asma brônquica, desordens neuropsiquiátricas e disfunções cerebrais. Alguns ácidos graxos essenciais como o ômega 3 são capazes de melhorar a ação da insulina e na sua deficiência esses efeitos benéficos são reduzidos.
Vitamina D
As crianças não estão tomando tanto sol quanto deveriam, elas não fazem mais atividades na rua. O sedentarismo faz as crianças permanecerem menos tempo sob o sol e possivelmente esse é um dos motivos pelo qual os obesos apresentam baixos níveis de vitamina D no sangue. A vitamina D pode ser produzida pelo próprio organismo pela exposição aos raios UV e a dieta ocupa uma parcela baixa nas necessidades diárias da vitamina. Essa vitamina atua em diversas áreas do corpo, e seus efeitos mais conhecidos são o de potencializar a ação do cálcio nos ossos e construir para as defesas do organismo. Mas a relação entre vitamina D e obesidade ainda não está completamente esclarecida. Acredita-se que a deficiência de vitamina D pode, entre outros fatores, ser causada pela demanda elevada desta vitamina no processo inflamatório causado pelo excesso de gordura corporal, uma vez que a obesidade é uma doença que gera inflamação no corpo.
Veja alguns maus hábitos que contribuem para o ganho de peso da criança:
- Não ter horários fixos para se alimentar e "beliscar" ao longo do dia. É nas refeições que a criança adquire os principais nutrientes para seu desenvolvimento adequado. Além disso, beliscar geralmente significa consumir alimentos não nutritivos como salgadinhos e doces.
- Ficar longos períodos em jejum. A fome e o apetite aumentam e a criança acaba comendo mais.
- Fazer poucas refeições durante o dia e em grandes volumes. O volume do estômago pode aumentar e também a quantidade de alimentos que a criança consegue comer.
- Dormir tarde e acordar tarde. O sol e a noite atuam no nosso metabolismo e alterar os horários aos quais o corpo foi programado geneticamente, pode modificar de forma negativa o controle da saciedade, do depósito de gordura corporal entre outros.
- Não ter uma boa noite de sono. A privação costumeira de um sono regenerador leva à alterações hormonais importantes para o controle do peso da criança. Substâncias que estimulam o apetite são produzidas em maior quantidade, enquanto que a secreção de substâncias que aumentam a saciedade é reduzida. Isso resulta em mais fome, menos saciedade e menor controle sobre a ingestão de doces. Além disso, a criança fica mais sonolenta e cansada para praticar atividade física, reduzindo seu gasto calórico e sensação de bem estar.
- Não comer no café da manhã. A criança vai compensar durante o dia ou à noite, e geralmente com opções bem calóricas.
- Trocar a refeições por lanche. Comer apenas lanches não atende todas as necessidades nutricionais da criança.
- Comer na frente da televisão, videogame e outros eletrônicos. É preciso valorizar o momento das refeições. Comer sem prestar atenção ao que se come leva a ingestão de mais alimento que o necessário.
- Não praticar exercício físico. O sedentarismo promove maus hábitos alimentares e acúmulo de gordura corporal.
- Não porcionar os alimentos. Pegar o pacote de guloseima, por exemplo, de biscoito, pipoca ou torradas para comer sem determinar uma porção individual promove o consumo de maior quantidade de alimento.
- Ter um armário repleto de doces e salgadinhos ao alcance da criança. Quando o livre acesso as "besteiras" fazem parte da rotina da criança, dificilmente ela saberá o limite para não engordar e não exagerar.
- Apenas beber sucos de fruta ao invés de comer as frutas. Ao comer a fruta in natura o corpo recebe um maior aporte de fibras, o que associado à mastigação, favorece a saciedade. A liberação de açúcar na corrente sanguínea ocorre de forma mais lenta se comparado à ingestão do suco, mantendo a energia por mais tempo. Além disso, para preparar um bom suco são necessárias porções maiores da fruta, o que o torna mais calórico.