O Dr. Roberto Dischinger Miranda possui título de especialista em cardiologia e geriatria. Obteve o título de Doutor em...
iNo Brasil, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012), indicam que a população de idosos dobrou nos últimos 20 anos. Certas conquistas tecnológicas da medicina moderna que ocorreram ao longo dos últimos 70 anos, como o desenvolvimento de novas vacinas, antibióticos, quimioterápicos e exames complementares de diagnóstico, além dos avanços na área da assepsia, entre outros, favoreceram a adoção de medidas capazes de prevenir ou curar muitas doenças até então fatais. Consequentemente, a redução nos níveis de mortalidade foi observada para todas as faixas etárias da população. Entretanto, juntamente com isto, explicitou-se um paradoxo: o aumento da faixa etária de idosos resultou no surgimento de doenças típicas dessa idade que antes não se dimensionava a existência.
Dentre as enfermidades neuropsíquicas de maior prevalência na terceira idade estão os quadros demenciais, conjuntamente com os transtornos depressivos.
Antes de iniciarmos falar de demência, é importante considerarmos a existência de três possibilidades frente ao envelhecimento cerebral: envelhecimento saudável, comprometimento neurocognitivo leve e quadros demenciais.
Envelhecimento saudável
O envelhecimento saudável é caracterizado por um declínio próprio da idade devido a processos fisiológicos que geram mudanças evolutivas no decorrer da vida. Por esta razão, a distinção entre perdas esperadas para a idade avançada e as que caracterizam início de um processo de deterioração patológica se torna tão difícil.
Podem fazer parte do processo de envelhecimento saudável: dificuldade em alternar e dividir a atenção entre dois ou mais estímulos, lentificação motora e da velocidade do processamento mental, comprometimento discreto de memória para fatos recentes, não se recordar de ações que planejou efetuar no futuro, dificuldade de novos aprendizados.
Comprometimento neucognotivo leve
O comprometimento neurocognitivo leve também é caracterizado por perdas, porém, estas são maiores que as comuns do envelhecimento saudável e, não tão intensas como as que ocorrem nos quadros demenciais, o que permite que o indivíduo, mesmo que com algumas dificuldades, venha a manter sua independência frente às atividades de vida diária. Esta população encontra-se num estágio intermediário entre o envelhecimento normal e os processos demenciais, apresentando elevado risco de desenvolver demências.
Quadros demenciais
Demência não é uma doença, e sim, um termo utilizado para descrever uma síndrome, ou seja, um grupo de sintomas que podem acompanhar certas doenças ou condições.
Demência é um estado clínico produzido por diferentes e numerosas causas, em que ocorre declínio da capacidade cognitiva associado a alterações comportamentais, com perda da capacidade de executar tarefas complexas. Precisa-se obrigatoriamente considerar o nível de funcionamento intelectual prévio.
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Portanto, demência pode ser definida como uma síndrome determinada por deterioração da capacidade intelectual, sendo suficientemente intensa para comprometer a execução das atividades de vida diária do indivíduo, assim como influenciar sua independência.
Atualmente, a quinta edição do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM-V) publicado pela Associação Psiquiátrica Americana (APA, 2013) agrupa os quadros demenciais sob a classificação de Transtornos Neurocognitivos. Os quadros demenciais podem ser subdivididas em dois grupos: os de causas reversíveis e os de origem irreversível.
As demências reversíveis podem ser causadas pelos seguintes fatores: depressão, quadros endócrinos (hipotireoidismo ou hipertireoidismo, dentre outros), má nutrição, deficiências vitamínicas (B12, ácido fólico, tiamina), anemia, desidratação, uso indevido de medicações, hidrocefalia normotensiva, infecções e tumores cerebrais. Ao se tratar a questão originária, os sintomas demenciais habitualmente desaparecem.
As demências irreversíveis são caracterizadas por processos degenerativos do cérebro. Fazem parte deste grupo: doença de Alzheimer, doença vascular, doença de Creutzfeldt-Jakob, doença de Huntington, doença de Pick, doença de Parkinson, demência associada à aids e demência decorrente de traumatismo craniano.
Conheça as principais causas de demência senil
A demência na doença de Alzheimer é a de maior prevalência, sendo sua estimativa de 60 a 80% dentre os casos demenciais. Tem como característica o inicio insidioso. É decorrente do depósito de duas proteínas no cérebro: a proteína beta-amilóide e a proteína tau. Aproximadamente 5% dos indivíduos entre 65 e 75 anos de idade desenvolvem este quadro. Com o aumento da idade, a partir dos 85-90 anos, a perspectiva aumenta para quase 50%. Nestes casos, sua evolução é lenta, porém gradativa.
Fatores genéticos influenciam seu surgimento. Manter rotina diária de atividades que venham a estimular tanto o cérebro como o corpo pode ser considerado fator de neuroproteção. Geralmente, sua principal característica é a perda de memória para informações recentemente aprendidas. Somado a isto, pode ocorrer esquecimento de datas ou eventos importantes, fazer perguntas repetitivas, não se recordar local em que guardou objetos. Nomes de objetos podem ser esquecidos ou nomeados erroneamente. Dificuldades quanto à orientação espacial podem surgir, como se perder em ambientes familiares e incapacidade de aprender novos caminhos. Os movimentos relacionados à motricidade ampla e fina podem se tornar mais lentos e menos precisos; além disto, ocorre um aumento da latência de respostas. A capacidade de abstração tende a diminuir. Também podem ocorrer atos incongruentes com a personalidade e comportamento característico do indivíduo, assim como outros sintomas psiquiátricos
Quadros vasculares são considerados a segunda maior causa de demências, com estimativa de 10% dentre estes. São oriundos dos acidentes vasculares cerebrais (AVC) também conhecidos como derrames, que podem ser pequenos, múltiplos e cumulativos, resultando em quadros de início insidioso e gradual, ou de maior espectro, resultando em início abrupto e agudo. Sua prevalência é menor que 10% indivíduos acima dos 60 anos de idade, com aumento para 30% dentre os idosos a partir dos 85 anos de idade.
Os prejuízos, quanto à gravidade e comprometimento, dependem da localização e extensão do AVC. Este problema é tratável e há como interferir para que não evolua. É possível evitar a repetição de AVCs através do controle da obesidade, da hipertensão arterial (pressão alta), do diabetes, dos níveis de colesterol e glicemia, do tabagismo e pela prática de atividade física frequente. Cerca de 80% dos AVCs afetam regiões cerebrais responsáveis pela concentração, capacidade de julgamento das situações com bases nas regras sociais, habilidade planejar e colocar em sequência adequada as etapas para se alcançar determinado objetivo, controle das emoções, controle da impulsividade, alterações motoras da fala, da marcha e de controle dos esfíncteres. Apenas 20% dos AVCs afetam regiões cerebrais relacionadas à memória.
Acreditamos atualmente que na verdade, a maioria dos quadros demenciais se devam ao somatório de lesões degenerativas da doença de Alzheimer com as alterações da circulação cerebral. Além disso, tem se tornado cada vez mais evidente a possibilidade de prevenção da demência pelos hábitos de vida saudáveis (alimentação balanceada e estilo de vida ativo) e tratamento dos fatores de risco (diabetes, pressão alta, colesterol, etc), desde que iniciados precocemente na vida adulta.
Este artigo foi escrito com a colaboração da psicóloga Mariana Kneese Flaks (CRP: 06/62243-2), especialista em Psicologia Hospitalar e Neuropsicologia pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-FM-USP), doutora em Ciências pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas ? FMUSP, pós-doutora em Ciências pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e neuropsicóloga do Instituto Longevità.