Médico endocrinologista graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com residência em Endocrinologia no Instit...
iVocê já ouviu falar em desreguladores endócrinos (DE) ou disruptores endócrinos? Estas substâncias químicas são capazes de exercer efeito semelhante ao de hormônios presentes em nosso organismo. Ou então podem agir inibindo a ação de um determinado hormônio no nosso corpo.
Estão presentes no nosso dia-a-dia sem que nos demos conta: no ar que respiramos, em produtos de beleza e de higiene pessoal, em eletroeletrônicos, nos móveis que enfeitam os apartamentos, em recipientes de plásticos etc. Pois é, o perigo não só mora ao lado, como está dentro das nossas casas!
Os desreguladores endócrinos atuam não apenas em adultos, mas principalmente nas crianças e até mesmo durante a gestação produzindo efeitos nocivos que persistem por toda a vida. Sua atuação é muito marcante principalmente na promoção do excesso de peso, que é o tema de nosso artigo.
É preciso ter medo dos desreguladores endócrinos?
Não. Certamente não há razão para pânico! Existe um grande esforço por parte das principais sociedades médicas ao redor do mundo para se entender cada vez mais sobre o tema a fim de desenvolver ações que impeçam ou ao menos minimizem os efeitos deletérios destas substâncias sobre a saúde humana.
De fato, a compreensão sobre os desreguladores endócrinos vem crescendo muito nos últimos anos e a relação destas substâncias com o ganho de peso e a obesidade é tão marcada que se cunhou um termo especial só para tratar de um subgrupo de desreguladores endócrinos que são capazes de promover o excesso de peso - os obesógenos.
Como substâncias do dia a dia podem promover aumento do peso?
Estes componentes atuam interferindo em processos metabólicos envolvidos no comportamento alimentar, taxa metabólica basal, função hormonal entre outros processos que determinam o risco de se desenvolver excesso de peso ao longo da vida. O tópico é tão importante que a Endocrine Society (Sociedade Americana de Endocrinologia), assim como a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), publicaram diretrizes sobre o tema e possuem até mesmo forças-tarefa para o estudo do assunto.
Acredita-se até que a atual epidemia de obesidade possa ter, entre outros determinantes, a influência dos desreguladores endócrinos sobre o controle do peso corporal. Nesse sentido, estudar o tema a fundo seria muito importante do ponto de vista preventivo. Permitiria aos gestores da área da saúde investir em políticas de saúde pública que impeçam a exposição das crianças e gestantes a estes compostos.
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Sabe-se hoje, que a obesidade não é meramente decorrente da falta de exercícios e de alimentação inapropriada. Há também que haver uma interação destes com fatores genéticos. Ou seja, o excesso de peso é fruto de uma interação entre fatores genéticos e fatores ambientais.
Porém, de que forma os fatores ambientais podem modificar os fatores genéticos de forma a aumentar o risco de obesidade? Uma das possíveis explicações são os desreguladores endócrinos. A exposição a eles, em especial durante a infância e ainda quando dentro do útero materno, pode alterar o nosso código genético sem modificá-lo em sua estrutura. Chama-se isso de epigenética.
Um desregulador endócrino é capaz de produzir alterações epigenéticas que persistem ao longo de muitos anos e que predispões o indivíduo ao ganho de peso. E mais: há estudos (em modelos animais) que mostram que estas alterações podem durar inclusive até a 3ª geração abaixo dos progenitores que foram expostos! Ou seja, já começamos a engordar antes mesmo de nascermos, e talvez antes mesmo de sermos concebidos.
Mas quais substâncias são desregulares endócrinos?
A seguir, listaremos alguns exemplos de desreguladores endócrinos e seus efeitos sobre a saúde humana, no que diz respeito a obesidade e sobrepeso:
- Tributilina: usada como fungicida e encontrada também na poeira doméstica. Mesmo em quantidades bem pequenas é capaz de reduzir a quantidade de massa muscular e aumentar a quantidade de tecido adiposo em animais
- Bisfenol A: encontrado frequentemente na composição de plásticos de uso doméstico (recipientes e copos plásticos, etc). Atua de forma semelhante ao estrogênio (principal hormônio feminino). Associação com a obesidade ainda é controversa, porém seus efeitos deletérios em outros campos da medicina já são comprovados. Seu uso já foi proibido nos EUA e no Brasil também
- ?Flame retardants?: diversos compostos usados para retardar ou impedir a combustão/aquecimento são amplamente empregados em eletroeletrônicos, materiais de construção e até mesmo na mobília de nossos lares. Diversos estudos associam a exposição precoce a estes desreguladores endócrinos ao desenvolvimento de obesidade, baixo peso ao nascer e alterações na função tireoideana
- Ptalatos: uso para conferir flexibilidade a produtos de plástico e também como carreadores de odor em cosméticos e produtos de higiene pessoal. Se desprendem facilmente e, em seguida, se difundem no ambiente, estando presentes na poeira doméstica. Estas substâncias tem uma relação relativamente comprovada com a obesidade.
Em suma, sabemos hoje que, desde a gestação, passando pela infância e chegando a vida adulta, somos expostos a uma gama enorme de produtos químicos capazes de interferir no funcionamento do nosso corpo de forma a conferir uma maior propensão ao excesso de peso. Tais compostos são muito úteis no nosso dia-a-dia, no entanto é necessário um consumo mais equilibrado destes. E claro, é fundamental manter, ao longo da vida, uma alimentação balanceada e um programa de exercícios físicos. Estes são hoje as nossas únicas armas contra os desreguladdores endócrino, e como são poderosas essas armas! Funcionam entre outras forma também através de uma modulação epigenética, porém no sentido do benefício, no sentido da proteção contra o excesso de peso.
Não estamos propondo aqui alarde nem tampouco o banimento dos produtos citados e que contêm desreguladores endócrinos, mas sim orientação a população e um alerta aos governantes de forma a proteger a sociedade e criar regras de uso mais contido por parte da indústria e fabricantes.
As sociedades médicas e comunidade científica desempenham um papel fundamental nesse cenário, exercendo pressão sobre os gestores e auxiliando na maior compreensão sobre o tema. E, a partir daí, criando estratégias preventivas. Por hora, recomendo duas coisas simples: dieta e exercício! Bons treinos!