Graduada em Medicina em 1989, pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, FCM UERJ. Residência Médica em Pediatria 199...
iA cólica do bebê pode ter várias causas. A alimentação da mãe pode ser uma delas. Mas é necessário, antes, contextualizar essa questão.
No nascimento, se inicia um processo de individuação do bebê que só irá se completar em torno do nono mês de vida. Isso significa que o "bebê sai da mãe", mas a mãe "não sai do bebê". As informações oriundas do organismo materno irão repercutir na criança por um longo tempo.
Este elo tão único é mantido por inúmeros laços orgânicos e emocionais, entre os quais o da amamentação. A relação afetiva que o ser humano possui com a comida tem origem nesta primeira experiência, onde alimentação e afeto estão unidos em um só ato.
Nesta época da vida, o bebê se comporta como se fosse uma entidade dual: uma parte é ele mesmo e a outra é a mãe e seu vínculo com ela reverberando em seu Ser.
Bem sabia José Saramago ao escrever: "Não nos vemos se não saímos de nós". Para que o bebê se torne uma individualidade, o EU, ele precisa antes experienciar de forma plena o NÓS (binômio mãe-filho).
Dentre todas as relações não há nenhuma outra em que a influência mútua aconteça de forma tão intensa. Obviamente isso também perpassa pela alimentação, que está ligada ao afeto. Amamentar é ato de nutrição física e emocional. É um ato de troca e de doação da mãe para o bebê.
Alimentos que afetam o leite materno
Podemos entender o leite materno como fruto das escolhas que a mãe faz, e que obviamente irão impactar seu filho. A boa nutrição do bebê começa com as melhores escolhas da mãe para si mesma, melhorando a qualidade da composição do seu leite. Sabendo disso, a gestante e a mulher que amamenta deveria priorizar alimentos naturais, frescos e livres de agrotóxicos, evitando:
- Alimentos industrializados
- Ultraprocessados
- Fast-food
- Embutidos, que são ricos em gorduras trans, aditivos químicos e pobres em nutrientes.
Quanto ao álcool e o cigarro, estes nunca devem ser consumidos, pois diminuem a produção do leite e comprometem sua qualidade.
A cafeína encontrada nos chás, refrigerantes e no café também deve ser evitada por ser um estimulante, afetando o sono e agitando o bebê.
O chocolate por conter a teobromina, estimulante da família da cafeína, também pode causar efeito semelhante, devendo ser consumido com moderação.
Outros grupos alimentares estão associados ao aumento da cólica do bebê por favorecerem a produção de gases intestinais, como:
- Repolho
- Brócolis
- Couve
- Feijão.
Outros podem causar alergia alimentar, como:
- Leite de vaca
- Amendoim
- Camarão.
Sobre esses alimentos recomenda-se observar o comportamento do bebê nas 24 horas após a mãe ingeri-los. Só é aconselhável excluí-los da dieta materna caso seu consumo esteja fortemente associado ao aumento das cólicas ou ao surgimento de alergia no bebê.
Em pediatria, sabemos que a cólica do lactente tem origem multifatorial e muitas vezes de difícil identificação. Excesso de ar deglutido, fome, imaturidade intestinal, ansiedade materna e stress ambiental são as causas mais comuns.
Paralelamente, sabemos que os bebês que não são amamentados ao seio apresentam mais cólicas e estão mais vulneráveis a uma série de doenças do que aqueles que recebem leite materno.
Os mitos envolvendo a amamentação e a maternidade levam muitas mães a viverem esta etapa da vida carregadas de culpa, e isso só aumenta o stress materno e as cólicas do bebê.
No consultório, quando percebo a "culpa materna" se instalando porque comeu feijão ou exagerou na couve-flor. Procuro sempre lembrar às mães o enorme benefício que ela concede ao seu bebê toda vez que o amamenta.
É preciso viver a maternidade como uma escolha consciente e madura, com responsabilidade e seriedade, mas também com leveza, para que a dimensão instintiva do "ser mãe" possa ser expressa naturalmente.
Em resumo, excluindo-se as alergias alimentares via leite materno, uso excessivo de cafeína, bem como o uso de substâncias como álcool, cigarro e outras drogas, a alimentação da lactante até pode interferir nas cólicas do bebê, mas uma simples observação da criança e adequação do cardápio materno já dão conta de minimizar o problema, caso essa seja a principal causa da cólica no bebê.
Por outro lado, caberia perguntar: quantas doenças estão sendo evitadas pelo aleitamento materno? Como se aferir a qualidade da nutrição afetiva oferecida a uma criança aninhada e amamentada ao seio?
As cólicas do lactente são transitórias e raramente passam dos 3 meses de vida. Já os benefícios do aleitamento materno são para a vida toda.
Por que amamentar vale a pena?
O leite materno é, por unanimidade, reconhecido como o "padrão ouro" na alimentação da criança. Uma formulação perfeita, com qualidade nutricional incomparável.
Pesquisas também demonstraram que não há apenas "um leite materno": existem tantas variedades de leite materno quanto de mães dispostas a amamentar, pois o leite de cada mãe é único, e atende às especificidades de seu próprio bebê.
Sua composição se modifica conforme as necessidades da criança em um processo de retroalimentação entre mãe e filho. É uma fórmula em aberto, estando submetida às condições nutricionais da mãe, seu estilo de vida, ambiente onde vive, etc.
Não há uma fórmula para a maternidade, apenas diretrizes, que sugerem que tudo aquilo que temos de melhor deveria se reunir para formar essa nova identidade, agora responsável por outro ser.
Ser mãe não é algo dado de antemão, mas algo a ser cultivado, procurado em nós mesmas. A mãe que somos ou seremos é como uma "Ilha Desconhecida" à espera de ser revelada. Na cartografia da maternidade, cabe citar Saramago: "A Ilha Desconhecida fez-se enfim ao mar, a procura de si mesma".