Redatora especialista em conteúdos sobre saúde, família e alimentação.
A descoberta de uma gravidez é um momento sonhado por muitas mães. Por conseguinte, vêm os preparativos para a chegada do bebê. Segundo o Ministério da Saúde, o pré-natal desempenha um papel fundamental na prevenção e/ou detecção de patologias maternas e fetais.
Geralmente, a procura por um obstetra de confiança para o início do pré-natal é o primeiro passo nessa nova fase da vida. Embora seja o cenário ideal, a realidade de mulheres negras pelo país é bastante diferente.
Os dados não mentem
Apesar das ações institucionalizadas para combater as desigualdades raciais na saúde, como a legalização da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, o racismo na sociedade brasileira ainda é um fator determinante e pode interferir diretamente no acesso aos serviços de saúde - não sendo diferente durante a atenção ao pré-natal durante a gestação.
Segundo dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), o Brasil registrou 1.670 óbitos maternos no ano de 2016, relacionados à gravidez, ao parto ou até os 42 dias de puerpério. Considerando apenas as mortes durante a gestação ou parto, das 493 vítimas, 311 delas eram mulheres negras.
Apesar dos números terem diminuído em comparação aos anos anteriores, a disparidade entre jovens negras e brancas ainda é alarmante.
Pré-eclâmpsia é o principal fator de morte obstétrica
Segundo dados do Ministério da Saúde, a hipertensão é responsável por 13,8% das mortes maternas no Brasil, sendo a principal causa de morte obstétrica no país.
Caracterizada pelo aumento da pressão arterial e dos níveis de proteína na urina, a pré-eclâmpsia é uma condição exclusiva da gravidez e, se não tratada precocemente, pode levar a complicações fatais para a gestante e para o bebê. Todavia, a condição pode ser facilmente diagnosticada no pré-natal, permitindo que os cuidados adequados sejam realizados.
Para isso, o Ministério da Saúde recomenda que sejam realizadas no mínimo seis consultas, sendo uma no primeiro trimestre da gravidez, duas no segundo e três no terceiro. Porém, segundo dados preliminares do órgão, em 2019, 81% das gestantes brancas realizaram, no mínimo, sete consultas de pré-natal. Entre mulheres pretas e pardas, o índice cai para 68,1%.
De acordo com Larissa Cassiano, ginecologista da THEA, o racismo estrutural impacta no atendimento de gestantes negras fazendo com que o acesso seja restringido. "Muitas vezes, uma gestante que precisaria de um número determinado de exames poderá ter um número menor e isso impacta significativamente na sua gestação", aponta a especialista.
Realidade da gravidez na adolescência de jovens negras
O racismo no Brasil começa a afetar pessoas negras e indígenas ainda no útero. É o que abordou Dandara de Oliveira Ramos, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em uma pesquisa divulgada no início deste ano.
Segundo dados preliminares do estudo, que abordou a gravidez e a maternidade na adolescência, enquanto 64% das jovens brancas possuem acesso adequado ao pré-natal, essa taxa despenca para 50% entre as jovens negras e 30% para as indígenas.
Com um atendimento precário e muitas vezes marcado por situações de racismo, as crianças negras também enfrentam a falta de atenção primária e dos serviços de saúde para atender suas necessidades. Algumas delas sequer sobrevivem ao primeiro ano de vida.
Em 2019, segundo dados preliminares levantados pela Fundação Abrinq, 12.428 crianças negras morreram de causas que poderiam ser evitadas, como diarreia e pneumonia, contra 8.510 mortes de crianças brancas.
Violência obstétrica
Além do pré-natal, as taxas de violência obstétrica para a população negra são altíssimas.
Caracterizada por situações de abusos, desrespeito e maus-tratos sofridas pelas mulheres durante todo o período da gestação, parto e puerpério, a violência obstétrica atinge uma em cada quatro mulheres brasileiras - e destas, 65,9% são negras.
"Nossa sociedade está estruturada em uma base que, muitas vezes, sente que oprimir é a melhor forma de demonstrar poder. E no parto, quando a mulher está vulnerável, muitas pessoas que já são violentas ou que não foram preparadas para o ambiente despejam sobre a paciente suas questões", explica a ginecologista e obstetra Larissa Cassiano, em entrevista prévia ao Minha Vida.
Nas maternidades, os estereótipos e percepções falsas sobre as mulheres pretas serem "parideiras por excelência" são frequentemente colocados como justificativa para a negação de recursos para o alívio da dor, por exemplo, como analgesia, água e banho.
"O racismo estrutural que ainda deixa algumas pessoas equivocadamente pensando que pessoas negras são mais fortes, limitando o acesso a terapias de alívio da dor, [por exemplo]", esclarece Cassiano.
Pandemia acentuou a disparidade entre gestantes brancas e negras
Segundo um estudo publicado pela Oxford, gestantes negras têm duas vezes mais chances de morrer de coronavírus do que as brancas. Segundo Larissa Cassiano, a construção social do país é um dos fatores determinantes para esse resultado.
"Sabemos que pessoas negras sofrem muito mais desafios, associado a isso, temos muitas pessoas que não conseguem acessar o sistema de saúde e isso se tratando de uma patologia grave, que precisa de acompanhamento médico e, além disso, que tem uma redução de risco para quem consegue estar isolado, [o que] foge a realidade de muitas pessoas negras", explica a ginecologista.
O levantamento realizado pela Oxford, além de apontar o racismo, o sexismo e a falta de acesso à saúde para a população negra como fatores determinantes para a tragédia das mortes maternas por Covid-19, também discutiu a importância de medidas que auxiliem na redução da desigualdade social.
No Brasil, porém, os recursos ainda são escassos. "Em 2017, foi elaborada uma cartilha com políticas de assistência à população negra no SUS, mas infelizmente ainda faltam projetos de apoio e seguimento ao que foi elaborado", finaliza Cassiano.
Leia mais: Violência obstétrica atinge mais mulheres negras no Brasil