Médica Psiquiatra (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Aluna de doutorado (Instituto de Psiquiatria do Hospital das...
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A rotina corrida, com grandes demandas de trabalho sob pressão, faz com que muitos profissionais passem a buscar ajuda em medicamentos para dar conta do recado. Com isso, o uso de remédios indicados para outras finalidades vem aumentando nos últimos anos. Entre eles, está o Venvanse, usado no tratamento do Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).
O medicamento, vendido no Brasil pela Takeda Pharma, é derivado da anfetamina e tem sido utilizado indevidamente para aumentar o foco e o desempenho no trabalho. Em reportagens publicadas por Veja São Paulo e Folha de S. Paulo, executivos da capital paulista contaram que tomam o remédio para aumentar a produtividade, melhorar o desempenho em reuniões importantes e aguentar as longas jornadas de trabalho.
Ainda de acordo com a Veja SP, o remédio, que é vendido sob prescrição médica de forma controlada, pode ser comprado sem receita em grupos de Telegram (aplicativo de mensagens instantâneas). Como consequência disso, houve uma disparada nas vendas entre agosto de 2020 e agosto de 2022: o número passou de 66.533 para 137.468 caixas vendidas anualmente no Brasil. Algumas farmácias, inclusive, tiveram falta do produto nos últimos meses.
O problema é que o Venvanse, quando utilizado sem indicação médica específica, pode trazer sérios riscos à saúde, principalmente entre aqueles que fazem o uso por anos. Por isso, entenda mais sobre o assunto e descubra o que fazer se você ou alguém próximo utiliza o medicamento, mas não o está encontrando nas farmácias.
O que é Venvanse e como ele funciona?
O Venvanse é o nome comercial do dimesilato de lisdexanfetamina e é um medicamento psicoestimulante aprovado para o tratamento de TDAH e compulsão alimentar pela Anvisa desde 2010. Ele atua aumentando a disponibilidade de dopamina e noradrenalina no sistema nervoso central.
“O TDAH é conhecido na neurociência por demonstrar um desbalanço de estímulo de dopamina entre diferentes áreas do cérebro, como, por exemplo, o córtex frontal, que precisamos que seja bem ativado pela dopamina para manter a concentração, atenção, memória e cognição”, explica Carolina Hanna, psiquiatra do Hospital Sírio-Libanês.
“O medicamento atua aumentando a disponibilidade de dopamina e da noradrenalina para essas regiões, onde a pessoa com TDAH tem um déficit, tenham suas atividades otimizadas”, completa.
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Em relação à compulsão alimentar, o Venvanse passou a ser indicado por reduzir o apetite, principalmente como um efeito colateral da anfetamina. “A dopamina é um neurotransmissor que atua no sistema de recompensa e traz satisfação. Então, a pessoa se sente saciada mesmo sem comer”, afirma a especialista.
Porém, nesse caso, também é preciso ficar atento com o uso indevido: o Venvanse só deve ser indicado para compulsão alimentar quando o transtorno for, de fato, diagnosticado e não deve ser utilizado por quem busca o emagrecimento, por exemplo.
Quais são os riscos de tomar o medicamento sem indicação médica?
Por se tratar de uma anfetamina, o uso do Venvanse sem indicação médica pode levar a alguns problemas de saúde, como complicações cardiovasculares e renais, súbito aumento da pressão arterial e, até mesmo, morte.
Na bula do medicamento, é possível encontrar ainda entre as reações adversas: palpitações, batimento acelerado do coração, infarto do miocárdio, inquietação, tontura, insônia, euforia, depressão, dor de cabeça, acidente vascular cerebral (AVC), diarreia, constipação, anafilaxia e morte súbita.
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Além disso, os riscos também podem ser psiquiátricos. “O aumento da dopamina no organismo em quem tem predisposição — o que, muitas vezes, é difícil de saber na entrevista clínica — pode proporcionar alucinações. Esse é um perfil de efeito colateral importante e, por isso, é uma medicação de uso controlado e eficaz para as suas indicações”, afirma a psiquiatra.
Posicionamento da Takeda sobre o uso indevido de Venvanse
A Takeda, fabricante do Venvanse no Brasil, é contra o uso do medicamento para aumentar a concentração e o desempenho no trabalho por pessoas que NÃO possuem TDAH. “A Takeda rechaça firmemente o uso indevido de medicamentos e reforça que estes tratamentos devem ser utilizados somente para as indicações que constam em bula e com prescrição médica”, diz a empresa em nota enviada ao MinhaVida.
“Os medicamentos da Takeda são vendidos exclusivamente nos canais devidamente autorizados, e a compra de Venvanse® exige retenção da receita na farmácia, sendo que sua importação é controlada e limitada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Além disso, a utilização para qualquer outra finalidade que não a aprovada no Brasil é considerada uso fora do estabelecido em bula (off-label), não havendo comprovação de eficácia nem segurança”, completa.
A empresa também reitera que o Venvanse é seguro quando utilizado por pacientes com TDAH e compulsão alimentar. Portanto, o tratamento com o medicamento para esses casos não deve ser desestimulado.
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“O uso indevido de qualquer medicamento é altamente prejudicial, porém a utilização por aqueles que necessitam, de acordo com recomendação e prescrição médica como no caso do TDAH, é fundamental e tem impacto positivo direto na vida dos pacientes e, principalmente, nas crianças, por estarem em fase de aprendizagem. Estudos clínicos de longo prazo comprovam que a lisdexanfetamina, princípio ativo de Venvanse, é uma medicação segura e eficaz, quando utilizada de maneira correta, para crianças, adolescentes e adultos com TDAH”, diz a nota.
Tenho TDAH e não encontro o medicamento: o que fazer?
O aumento da procura pelo Venvanse e seu consequente desabastecimento em farmácias pelo país pode prejudicar pacientes que estão em tratamento. Nessas situações, a médica Carolina Hanna afirma que é preciso consultar o médico de confiança para buscar tratamentos farmacológicos alternativos e que são aprovados para os transtornos.
“Além disso, existe também o tratamento não farmacológico, como a terapia cognitivo comportamental (TCC), que é uma terapia que ensina uma série de técnicas que ajudam a modular o comportamento do paciente e, assim, combate os sintomas do TDAH”, acrescenta.