Graduada em Psicologia, tem mais de 35 anos de experiência na área de dependência química. É mestre em Tratamento e Prev...
iAo longo de muitos anos ouço histórias de mulheres que sofrem da doença do alcoolismo. A grande maioria delas iniciou o uso dentro de casa, e é dentro de casa, na escola, na faculdade ou no local de trabalho que o abuso da bebida alcoólica segue avançando.
Mascarada por uma garrafa pet de refrigerante ou térmica de chá ou café, a bebida alcoólica atravessa gerações. Na escuta silenciosa, é possível perceber a dor de quem vive o beber solitário. Escondidas dentro de casa, as mulheres seguem sendo as maiores vítimas ao ingerirem perfume, desodorante, álcool a 70% ou comerem álcool em gel com uma fatia de pão para disfarçar. Isso ocorre em casos extremos, quando o alcoolista não consegue ficar sem beber e ingere o que tiver dentro de casa.
A cada relato é visível a expressão de vergonha e culpa que essas mulheres carregam. Há quem diga: “um homem bêbado é feio, mas uma mulher bêbada é horrível!”.
Sem dúvida, estamos diante de uma doença permeada de muitos preconceitos que, por sua vez, colabora para a invisibilidade das mulheres nos programas de tratamento. Vários profissionais de saúde vêm procurando dar visibilidade aos problemas ocasionados pela doença do alcoolismo em mulheres.
Dados da pesquisa publicada pelo Programa Saúde Mental da Mulher – ProMulher, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (IPQ-HCFMUSP), alertam que um dos principais perfis de mulheres que abusam do álcool são aquelas que estão em fase de transição do período reprodutivo para o não reprodutivo, o chamado climatério.
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No climatério não há apenas ondas de calor (fogachos), suor excessivo e insônia, mas principalmente é um período de diminuição da autoestima, flutuações de humor e sintomas depressivos. É uma etapa em que a mulher está mais frágil emocionalmente, momento em que o álcool provoca a falsa sensação de autoterapia na vida de muitas delas.
Hoje precisamos reconhecer a total ausência de políticas públicas no Brasil para o tratamento do alcoolismo feminino. Muitas mulheres não buscam ajuda por conta do preconceito e continuamos submetendo mulheres com alcoolismo aos diversos fatores de risco que ocorrem dentro de espaços para tratamento onde a grande maioria dos pacientes são homens.
Finalmente, no entanto, já há espaços em que mulheres podem falar sobre a doença do alcoolismo sem serem julgadas: são as reuniões de composição feminina, organizadas por mulheres para mulheres que enfrentam problemas com álcool. Esses encontros acontecem de forma presencial ou remota, por chamada de vídeo, e estão abertas, gratuitamente, para toda mulher que deseja parar de beber. O Colcha de Retalhos Alcoólicos Anônimos é um exemplo.
Essas mulheres em recuperação – de todas as idades, raças e classes sociais – nos mostram que é possível, que existe ajuda, que existe esperança para aquelas que estão vivendo na angústia de uma doença crônica, progressiva e fatal chamada alcoolismo. De retalhos em retalhos, elas continuam construindo uma resistente e acolhedora colcha de amor ao próximo. A mulher alcoólica não está mais sozinha!
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