Formada em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas de Santos (FCMS- Unilus) em 2005, pneumologista (2010) e médica d...
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Você já ouviu falar em pneumonia silenciosa? O termo popular se refere a quadros em que, embora o paciente apresente baixa saturação de oxigênio e um quadro instalado de pneumonia, ele não tem problemas para respirar ou outros sintomas característicos, como dor torácica, tosse e fadiga. Quando os sintomas surgem, a ação do agente infeccioso no sistema respiratório já está bastante avançada.
Casos assim são bastante preocupantes, especialmente quando a saturação está muito abaixo do normal, uma vez que dificultam o diagnóstico e podem comprometer a vida do paciente. Se não houver a suplementação de oxigênio imediatamente (por ventilação invasiva ou não invasiva, por exemplo), a baixa quantidade de oxigênio no sangue começa a prejudicar o funcionamento do organismo.
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A pneumonia silenciosa em casos de COVID-19
A pneumonia silenciosa, ainda que não seja um termo novo, ganhou ainda mais notoriedade durante a pandemia do SARS-CoV-2. Em um artigo publicado no jornal The New York Times em 2020, o médico Richard Levitan registrou uma descoberta feita enquanto atendia pacientes com COVID-19 no hospital Bellevue, em Nova York.
Ele relatou vários casos de pacientes internados por outros motivos — como acidentes e vítimas de esfaqueamento — em que foi descoberta a pneumonia por coronavírus após tomografias e radiografias, realizadas para verificar se houve estrago em órgãos internos. Porém, esses pacientes não apresentaram qualquer sensação de problemas respiratórios, embora as radiografias de tórax mostrassem pneumonia avançada e que o oxigênio estivesse abaixo do normal.
A partir disso, o médico constatou que a COVID-19 tinha uma peculiaridade perigosa. “Estamos começando a reconhecer que a pneumonia da COVID-19 causa inicialmente uma privação de oxigênio, chamada de ‘hipóxia silenciosa’ — ‘silenciosa’ por sua natureza traiçoeira e difícil de ser detectada”, afirma o médico em seu artigo.
A maioria dos pacientes com pneumonia por COVID-19 que conheceu, diz Richard Levitan, apresentava saturação baixa de oxigênio, “praticamente incompatível com a vida”, mas ainda assim sentiam-se bem e falavam em seus telefones. “Apesar de estarem com a respiração rápida, eles não apresentavam aflição, apesar dos níveis perigosamente baixos de oxigênio e de apresentarem pneumonia avançada nas radiografias de tórax.”.
Por que isso acontece?
Existem algumas explicações possíveis para a pneumonia silenciosa, que durante a pandemia foi chamada de hipóxia silenciosa ou hipóxia feliz. Uma hipótese, citada por Elisa Maria Siqueira Lombardi, pneumologista da Saúde Digital do Grupo Fleury, é sobre a percepção da falta de ar — que é bastante subjetiva e pode variar de paciente para paciente.
Segundo ela, o fenômeno poderia ocorrer devido a uma resposta atípica do organismo em detectar a baixa de oxigênio no sangue e transpor esse sinal para o sistema nervoso, tornando-o algo consciente para a pessoa. Essa percepção é reduzida especialmente para pacientes idosos ou com comorbidades, como diabetes e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).
Outra hipótese é que, em extremos de idade (crianças abaixo de 1 ano e idosos), que possuem o sistema imunológico mais imaturo ou mais debilitado, podem ocorrer respostas atípicas do organismo a infecções, como a pneumonia. A presença de outros tipos de vírus e bactérias que acometem esses grupos também pode causar sintomas diferentes dos agentes que normalmente acometem adultos saudáveis.
“Algumas características e comorbidades predispõem alguns pacientes a terem quadros com pouco sintomas, principalmente indivíduos idosos (acima dos 65 anos) ou com comorbidades, como DPOC ou enfisema pulmonar, diabetes, obesidade, pacientes tabagistas ou com cardiopatias graves”, explica Elisa.
Em seu artigo, Richard Leviton escreveu ainda que uma explicação possível para o fenômeno é que, em casos de COVID-19, o coronavírus ataca células pulmonares que produzem surfactantes, substâncias que ajudam os alvéolos pulmonares a permanecerem abertos entre as respirações, sendo essenciais para o órgão funcionar adequadamente.
À medida que a inflamação da pneumonia começa, os alvéolos entram em colapso e os níveis de oxigênio caem. Contudo, os pulmões inicialmente ainda não estão rígidos ou pesados com líquidos, o que significa que os pacientes ainda podem expelir dióxido de carbono. Sem o acúmulo da substância, ele não sente falta de ar.
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É possível identificar a pneumonia silenciosa?
Mesmo com a ausência de falta de ar e outros sintomas típicos, a hipóxia causada pela infecção pulmonar pode apresentar alguns indícios — que tendem a passar despercebidos ou são interpretados como consequência de outras condições de saúde. Para compensar a baixa taxa de oxigênio no pulmão, o organismo aumenta a frequência respiratória, provocando sinais como:
- Respiração profunda e rápida, especialmente após atividades físicas
- Respiração ofegante
- Indisposição
- Fadiga
Em idosos, é possível identificar alguns sinais precoces da pneumonia, como confusão mental, discurso incoerente, agitação e alucinações. Isso pode ocorrer principalmente em quadros de demência. Já em crianças, os pais devem ficar atentos a alterações de comportamento, como cansaço e respiração ofegante.
“Uma criança menos ativa, que começa a comer menos, que fica mais irritada e sonolenta que o normal. Isso são indícios precoces de que algo não está bem”, aponta Elisa. Além disso, os pais podem observar quando há alguma anormalidade a partir de quantas respirações a criança dá por minuto. Ela é considerada anormal nos seguintes casos:
- Bebês abaixo de 2 meses: mais de 60 respirações por minuto
- Bebês entre 2 e 12 meses: mais de 50 respirações por minuto
- Crianças de 1 a 50 anos: mais de 40 respirações por minuto
- Crianças acima de 5 anos: mais de 20 respirações por minuto
Oxímetro pode ajudar a identificar baixa saturação de oxigênio
Outro método que pode contribuir para identificar infecções respiratórias silenciosas é o oxímetro, um aparelho utilizado para medir a saturação de oxigênio das células que transportam esse elemento para os tecidos do corpo. Embora seja comum em hospitais e clínicas médicas, é possível ter um oxímetro em casa, sendo útil para pacientes que apresentam quadros delicados de saúde.
Uma pessoa saudável deve ter uma saturação de oxigênio entre 95% e 100%. Caso existam doenças preexistentes, como cardiopatias ou complicações pulmonares, a saturação já pode estar naturalmente comprometida.
Para utilizar o oxímetro, é preciso estar em repouso, sentado ou em uma posição que coloque o dedo abaixo da linha do coração. A unha não pode estar pintada, então é importante retirar qualquer esmalte antes do exame.
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No início, pode ocorrer do oxímetro apontar um número abaixo dos 95% — mas o valor não deve ser considerado, já que é possível haver erros no primeiro uso. O recomendado é esperar mais alguns minutos de repouso e realizar a avaliação novamente. Caso o paciente continue apresentando a saturação baixa, é indispensável procurar o hospital mais próximo para avaliar a causa do resultado.
Riscos da pneumonia silenciosa
O principal risco da pneumonia silenciosa é que, uma vez que ela não provoca a falta de ar que indica a baixa saturação de oxigênio, o paciente somente procura atendimento médico quando o quadro já está muito avançado. Nesses casos, é necessário aumentar a oferta de oxigênio nos pulmões através da suplementação, por ventilação invasiva ou não invasiva.
Mesmo com o tratamento em tempo hábil, alguns pacientes ainda podem sofrer complicações graves no quadro, como acúmulo de líquido em torno dos pulmões, abscesso pulmonar, bactérias na corrente sanguínea (bacteremia) e até o óbito.
Referências
Ministério da Saúde
Manual MSD