Anna Hirsch Burg é psicóloga formada pela Pontifícia Universidade Católia de São Paulo. Fez sua formação em psicanálise...
iNão se fazem mais crianças como antigamente. Nem crianças, nem pais, nem mães. Aliás, não se fazem mais famílias como antes... Nas últimas cinco décadas a composição familiar passou por transformações vastas e, ao que parece, vieram para ficar. Muita coisa mudou por completo. Afinal, imagine que frases como "Quando seu pai chegar vou contar tudo para ele!" eram muito ouvidas pelas crianças do passado e hoje não fazem o menor sentido. Parece bastante difícil imaginarmos hoje uma mãe que passe os dias cuidando dos filhos e sempre à espera do marido, pai e provedor, único capaz de restabelecer a ordem e a autoridade no lar. Tanto a estrutura quanto a sobrevida da antiga unidade familiar transformaram-se profundamente.
E se as mudanças são profundas e afetam as relações humanas, elas certamente chegam aos consultórios terapêuticos. Um leque grande de novas queixas passou a constituir o panorama da análise familiar. Não digo com isso que as questões da contemporaneidade sejam maiores, mas sim que os problemas daqueles que nos procuram atualmente nem sequer existiam.
Na esteira das mudanças, os "novos seres" passaram a organizar núcleos familiares diferentes e a demandar outro foco dos psicanalistas. Veja o exemplo de crianças que, na mais tenra idade e antes mesmo de saberem seu próprio nome, se veem incluídas num contexto familiar em que precisam lidar com dois pais, duas mães, oito avós, novos irmãos, guarda compartilhada, casamentos homossexuais, e uma série de novas questões. Quem será a doadora do óvulo? E quem será aquela a gestar a criança? E mais... Barrigas de aluguel, gestação medicamente assistida, entre muitas outras possibilidades.
Porém, as antigas questões, aquelas que deram origem à terapia familiar, continuam sendo tema de quem nos procura. Um membro da família acaba sendo identificado como ?problemático?, seja por questões psiquiátricas, doenças físicas, drogas, alcoolismo ou qualquer outra temática que afete indiretamente o grupo familiar.
Dentre todas as transformações que abordamos, talvez a mais preocupante delas seja o esvaziamento dos valores éticos e da convivência entre pais e filhos. Atualmente, a relação acaba frequentemente pontuada pelas trocas materiais. Se antes ganhar um brinquedo ou o que quer que fosse era dado por merecimento, hoje temos mães e pais ausentes presenteando os filhos a todo momento, trabalhando exaustivamente para pagar a conta de suas faltas. Objetos materiais são dados de forma compulsiva e facilitada pelos cartões de crédito e cheques especiais. As trocas centram-se nos bens materiais, quando, na verdade, a convivência, o valor da palavra e do afeto é que são as matrizes da personalidade dos indivíduos. Valores fundamentais têm sido substituídos por coisas e objetos que não fornecem auto-estima e nem parâmetros para as escolhas que essas crianças terão que fazer ao longo da vida.
Acredito que o trabalho da terapia familiar nos faça perceber que a convivência em família é um exercício prolongado com outro ser humano cujo bônus é a ajuda e o olhar do outro quando precisamos. Se harmônica, essa convivência traz um conforto sem precedentes na medida em que ultrapassa o biológico e entra na esfera do amoroso. Onde todos dão, todos tem... Onde ninguém dá, ninguém tem...
A terapia em família aborda a totalidade do psiquismo familiar da mesma maneira em que trabalha o psiquismo individual. O inconsciente de todos os integrantes terá voz.Continuo mais do que nunca acreditando que o encorajamento dos laços emocionais serve contra as guerras instaladas entre o ser humano e seu semelhante!
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