Anna Hirsch Burg é psicóloga formada pela Pontifícia Universidade Católia de São Paulo. Fez sua formação em psicanálise...
iA mulher desfila na tela de cinema cheia de graça. É bela, charmosa, tem inteligência de sobra, é mãe carinhosa e esposa perfeita. A imagem passeia insistentemente durante as duas horas de duração do filme. Claro que nós, espectadoras, como mulheres inteligentes que somos, sabemos que aquela mulher não existe de fato. Certo? Errado.
Saímos do cinema correndo para chegar em casa, cuidar dos filhos e fazer a preparação para o dia seguinte. No caminho, passamos pela banca de jornal e lá está ela de novo. A mulher perfeita estampa nove das 10 capas de revista. A gente não entende muito bem como, mas dois meses após dar a luz, a tal moça já posa magérrima na banca inteira. Claro que nós, mulheres racionais que somos, leitoras críticas de revistas como estas, sabemos que aquele corpo de mágica recuperação pós-parto não existe no mundo real. Certo? Aí é que está: errado.
Por mais adultas que sejamos, separar ficção e realidade não é tarefa tão fácil assim. Vivemos armadilhas muito bem estruturadas pela indústria da mídia e do consumo o tempo todo. Na vida cotidiana, mulheres bonitas, bem-sucedidas, com belos filhos e casamentos perfeitos não foram feitas a nossa imagem e semelhança.
A contemporaneidade nos exige decisões o tempo todo. E eu pergunto: por que não escolhemos também nossas prioridades como mulher? Dentre os múltiplos papéis "conquistados" por nós é preciso que se atribua graus de importância a cada um deles, levando-se em conta a realização que teremos. E esse é, antes de qualquer coisa, um exercício de dizer "ou", de dizer "não". Afinal, com apenas 24 horas, o dia não nos permite fazer de tudo (e bem feito).
Basta analisarmos o mundo de fato e com olhos mais aguçados. Veremos um mundo hiper exigente, cobrando das mães, por exemplo, uma criação que faça os filhos felizes e equilibrados. O único ponto falho nisso tudo é que o mundo é extremamente desequilibrado.
O que queremos? Filhos bem criados? Sucesso profissional? Corpo saudável e malhado? Priorizar o casamento? As amizades? A família de origem? A casa limpa? As escolhas que fazemos devem ser analisadas a partir da idéia de longo prazo. E é melhor deixar o perfeccionismo de lado. Bancar a mulher-maravilha em todas as áreas seria mesmo, com o perdão do pleonasmo, maravilhoso. E seria, mas é impossível. O mundo nos exige papéis demais e é saudável fazermos escolhas. Elas ajudam a nos comprometermos sem partir para a vitimização, o que me parece uma saída muito interessante.
O que mais observo nos consultórios pode até parecer singelo. As mulheres desejam de fato, e acima de que qualquer coisa, ser amadas. Isso e apenas isso. Apesar de toda a máscara que usam para disfarçar esse desejo. Para ser justa, terei que fazer um significativo adendo: não só as mulheres, mas também os homens, ainda vêem como o grande fundamento de sua existência encontrar o grande amor.
Terapia
Em processos terapêuticos é possível fazer um trabalho que possibilite o encontro com o equilíbrio e, com isso, a estruturação da capacidade de se fazer escolhas. Não há milagres: estamos falando em um processo árduo de autoconhecimento. É preciso muita disciplina e amor próprio para se chegar ao equilíbrio e a uma escolha mais verdadeira. Posar de vítima ou de mãe culpada não trará a felicidade do casal e nem do filho que criam. A mulher que abre mão de si própria acaba cobrando dos outros, aqueles a quem mais ama, muito caro quando não se propõe a uma permanente investigação sobre si mesma. E nesse ponto a análise é fundamental.
É importante deixar claro que é possível viver sem culpas, aprendendo a buscar atividades motivadoras e prazerosas. Parece óbvio dizer - mas talvez nem sempre saibamos ver o mais evidente - que pessoas infelizes são contraproducentes e pouco edificantes para a criação dos filhos. Ter jogo de cintura em momentos de adversidades da vida é uma das principais senhas para o acesso saudável à vida contemporânea.
Sabemos que essas conquistas são difíceis e lentas. Falar da situação da mulher hoje é também alertá-las para ideias machistas e desestimulantes que circulam em nossa sociedade. Mulheres são complicadas e sempre insatisfeitas. Certo? Errado. A maior parte das conquistas femininas carrega em si ambiguidades muito complexas, que chegam a escravizá-las. Do ponto de vista da psicanálise, conquista é não abrir mão da própria singularidade. Quero com isso simplesmente dizer que mulheres são mulheres e que podem, sim, dirigir caminhões, mas que não precisam abrir mão de sua feminilidade para isso. Esse talvez seja o grande desafio da nossa era. Quanto mais uma mulher souber a respeito de si mesma, maior a possibilidade de não fazer escolhas equivocadas.
A mulher que entra em contato com sua essência feminina é sensível e amorosa. Estas são qualidades muito bem-vindas em qualquer atividade profissional e imprescindíveis à maternidade. Enfim, ninguém duvida das poderosas armas de nós, mulheres. Todos aqui já ouviram falar em bruxa, não é?
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