Graduado em Medicina pela Faculdade de Medicina do ABC (1978) e doutorado em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da U...
iO uso nocivo de bebidas alcoólicas no Brasil e no mundo é um grave problema de saúde pública e contribui para prejuízos significativos em termos de morbimortalidade. Como médico psiquiatra especialista em dependência química, acredito que a informação científica sobre o assunto deve ser cada vez mais difundida.
Estima-se que metade dos brasileiros com 18 anos ou mais consumiu bebidas alcoólicas pelo menos uma vez no último ano. Em relação aos universitários, considerados um grupo vulnerável, mais exposto a tal comportamento, 86,2% fizeram uso dessa substância pelo menos uma vez na vida e 25,3% beberam nos últimos 30 dias em padrão binge. Este modelo consiste no consumo excessivo de álcool em um curto intervalo de tempo, que expõe o indivíduo a uma série de riscos à saúde.
Os efeitos no corpo são complexos devido à influência de diversos fatores individuais, juntamente com características específicas do beber, como volume, tempo gasto, padrões de consumo, entre outros. A Organização Mundial da Saúde (OMS) verificou que o álcool está associado a mais de 60 tipos de doenças e lesões, de desenvolvimento agudo ou crônico, e podem ser separadas em três categorias:
1. Totalmente atribuídas ao álcool (psicoses alcoólicas, abuso e dependência, síndrome alcoólica fetal, cirrose hepática, entre outras);
2. Contribuinte de condições crônicas (diversos tipos de câncer, aborto espontâneo, entre outras);
3. Contribuinte de condições agudas (acidentes, homicídios, entre outros).
Ademais, embora existam estudos apontando benefícios do uso leve e moderado de álcool para a saúde, é importante frisar que certamente não o é para todos, uma vez que seus efeitos e consequências diferem em cada indivíduo.
Há casos em que a bebida alcoólica deve ser evitada, como durante a gravidez, pois ela atravessa a placenta da mãe e pode trazer inúmeros prejuízos ao feto, incluindo a Síndrome Fetal Alcoólica (SFA), considerada a maior causa evitável de retardo mental em crianças. Entre as principais características da SFA, destacam-se principalmente a dismorfologia facial, deficiência no crescimento pré ou pós-natal e anormalidades no sistema nervoso central.
Por não haver estudos científicos que estipulem dose "segura" para o consumo de álcool durante a gestação, recomendo evitá-lo totalmente neste período. Outras condições em que o consumo não é recomendável, consistente com o preconizado pela OMS, incluem:
- Menores de 18 anos;
- Situações em que a atenção e reação sejam plenamente exigidas, como direção de veículos automotores e operação de máquinas;
- Pessoas com dependência do álcool ou em uso de medicamentos cujos efeitos possam ser alterados pelo uso concomitante da substância .
Acredito que, falando sobre um assunto tão complexo e submerso em mitos e crenças como é a dependência alcoólica, faz-se necessário esclarecer dois aspectos importantes que sempre me questionam:
O que é dependência alcoólica?
A dependência de álcool (alcoolismo) é uma doença crônica, complexa, multifatorial e compreende diferentes sintomas. De acordo com a 4ª edição do Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, DSM-IV), da Associação Americana de Psiquiatria, é caracterizada como a repetição de problemas decorrentes do uso do álcool, que levam a prejuízos ou sofrimento clinicamente significativo, manifestado por pelo menos três dos critérios expostos abaixo, ocorrendo a qualquer momento no período de 12 meses:
1. Tolerância, definida por qualquer um dos seguintes aspectos:a. uma necessidade de quantidades progressivamente maiores da substância para adquirir a intoxicação ou efeito desejado;b. acentuada redução do efeito com o uso continuado da mesma quantidade de substância.
2. Abstinência, manifestada por qualquer dos seguintes aspectos:a. síndrome de abstinência característica para a substância;b. a mesma substância (ou uma substância estreitamente relacionada) é consumida para aliviar ou evitar sintomas de abstinência.
3. a substância é frequentemente consumida em maiores quantidades ou por um período mais longo do que o pretendido.
4. existe um desejo persistente ou esforços mal-sucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso da substância.
5. muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção da substância (por ex., consultas a múltiplos médicos ou fazer longas viagens de automóvel), na utilização da substância (por ex., fumar em grupo) ou na recuperação de seus efeitos.
6. importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativas são abandonadas ou reduzidas em virtude do uso da substância.
7. o uso da substância continua, apesar da consciência de ter um problema físico ou psicológico persistente ou recorrente que tende a ser causado ou exacerbado pela substância (por ex., uso atual de cocaína, embora o indivíduo reconheça que sua depressão é induzida por ela, ou consumo continuado de bebidas alcoólicas, embora o indivíduo reconheça que uma úlcera piorou pelo consumo do álcool).
Como saber quando alguém é dependente de álcool ou quando procurar ajuda?
Há diversos questionários que podem auxiliar no diagnóstico de transtornos relacionados ao uso de álcool. Por exemplo: "Você já pensou que deveria diminuir seu consumo de álcool? Alguém já te criticou por causa da bebida? Você já se sentiu mal ou culpado por beber? Você já acordou e a primeira coisa que fez foi beber para se sentir bem?".
Caso o indivíduo responda positivamente a uma destas questões, pode ser um indicativo de problemas decorrentes do uso da substância. Mais de uma resposta afirmativa indica que há uma grande probabilidade de ter problemas relacionados a tal consumo.
Mais importante: mesmo que todas as respostas sejam negativas, recomendo que o indivíduo procure ajuda de profissionais da saúde quando ocorrem situações nas quais o álcool possa influenciar negativamente a rotina, funções acadêmicas e/ou profissionais e as relações pessoais.
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