Graduado em Medicina pela Faculdade de Medicina do ABC (1978) e doutorado em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da U...
iNos últimos anos, tem-se observado que os transtornos alimentares têm chamado mais atenção, especialmente quando relacionados ao uso ou abuso de bebidas alcoólicas. De acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria, mais de 70 milhões de pessoas no mundo são afetadas por esses transtornos. E as mulheres são as mais afetadas: a prevalência é duas vezes maior entre elas (1,6%) do que entre os homens (0,8%)1.
Segundo a 5ª edição do Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), os transtornos alimentares são perturbações do comportamento alimentar que resultam no consumo ou absorção alterados de alimentos, podendo causar impactos significativos na saúde física e no funcionamento psicossocial.
Embora a causa seja desconhecida, acredita-se que esses transtornos sejam resultados de uma combinação de fatores, como questões biológicas, genéticas, psicológicas, socioculturais e familiares.
Os tipos mais conhecidos são:
- Anorexia nervosa: acontece quando há uma distorção na percepção do próprio corpo, acompanhada de um medo excessivo de ganhar peso. A anorexia leva a uma perda de peso por restrição alimentar, resultando em desnutrição. Além disso, as pessoas com anorexia podem negar a gravidade do emagrecimento exagerado e desenvolver distúrbios na glândula hipófise que, por sua vez, levam à interrupção da menstruação nas mulheres e, nos homens, à perda de libido e diminuição da função sexual
- Bulimia nervosa: está relacionada a episódios de perda de controle e ingestão excessiva de alimentos de forma compulsiva e periódica (duas vezes por semana, por no mínimo três meses consecutivos), seguido por métodos compensatórios que envolvem forçar o vômito, prática exagerada de atividade física ou uso de medicamentos purgativos para atingir o peso desejado, que é abaixo do recomendado para uma boa saúde
- Compulsão alimentar: é quando alguém tem episódios repetidos em que exagera na alimentação, sentindo uma perda de controle e até mesmo sofrimento durante esses momentos. Ao contrário da bulimia nervosa, após esses episódios não há comportamentos compensatórios, como induzir vômitos, praticar exercícios excessivos ou fazer jejum
- Transtornos alimentares e consumo de álcool: estudos indicam que pessoas com transtornos alimentares têm maior probabilidade de beber álcool com frequência e sentir uma perda de controle sobre a quantidade e frequência do uso. Em relação ao abuso e dependência de álcool, esses comportamentos podem ser encontrados em cerca de 16% das pessoas com transtornos alimentares2
Essa associação também foi observada em um estudo europeu com quase 3 mil participantes, apontando uma alta prevalência de consumo de bebida alcoólica em pacientes com bulimia nervosa (80%) e anorexia nervosa (29,5%)3. Além disso, indivíduos com compulsão alimentar podem apresentar risco 1,5 vezes maior de transtorno por uso de álcool ao longo da vida4.
A importância de diagnosticar e tratar adequadamente os transtornos alimentares e os relacionados ao uso de álcool é ainda mais relevante por dois motivos: os transtornos alimentares são mais comuns em mulheres jovens entre 18 e 25 anos, e as mulheres são mais suscetíveis aos efeitos do álcool do que os homens. Além disso, a taxa de meninas adolescentes que lutam contra um distúrbio alimentar é mais que o dobro dos adolescentes do sexo masculino, com 3,8% das meninas afetadas em comparação com 1,5% dos meninos.
Diante deste cenário, é muito importante que desde a primeira consulta pacientes com suspeita de transtornos alimentares sejam avaliados em relação ao uso de bebidas alcoólicas, assim como de outras substâncias psicoativas. Detectar o problema precocemente pode aumentar a adesão do paciente a um possível tratamento, elevando as chances de sucesso e de um bom prognóstico.
Referências
1. Eating Disorder Demographic Statistics. Disponível em:
https://www.eatingdisorderhope.com/information/eating-disorder/statistics demographics#:~:text=The%20prevalence%20of%20binge%20eating,(0.1%25)%20%5B23% 5D
2. Consumo de álcool comórbido a transtornos alimentares: uma revisão da literatura. Saúde, Ética e Justiça, 16( 1), 29-38. doi:10.11606/issn.2317-2770.v16i1p30-38
3. Fouladi, F., Mitchell, J. E., Crosby, R. D., Engel, S. G., Crow, S., Hill, L., ... & Steffen, K. J. (2015). Prevalence of alcohol and other substance use in patients with eating disorders. European Eating Disorders Review, 23(6), 531-536
4. Bogusz, K., Kopera, M., Jakubczyk, A., Trucco, E. M., Kucharska, K., Walenda, A., & Wojnar, M. (2021). Prevalence of alcohol use disorder among individuals who binge eat: A systematic review and meta‐analysis. Addiction, 116(1), 18-31