Graduado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, onde também realizou mestrado em Psiquiatria. Doutor e...
iA depressão é um quadro que se caracteriza por intenso desânimo, tristeza ou um distinto "humor depressivo", que as pessoas descrevem como diferente de qualquer coisa que já sentiram. Cursa com perda do interesse por atividades que normalmente davam prazer, pensamentos negativos (excesso de culpa, pessimismo em relação ao futuro ou, em alguns quadros muito graves, a pessoa chega a pensar que está morta ou seu organismo parou de funcionar, mesmo que sejam mostradas a ela todas as provas em contrário). Frequentemente estão alterados também a capacidade de concentração, o desejo sexual e o sono (que pode ser excessivo ou haver insônia). Por vezes, o quadro é tão grave que as pessoas sentem vontade de morrer para fugir do sofrimento. Nessa situação há aqueles que tentam inclusive o suicídio e, infelizmente, por vezes conseguem. O apetite também pode estar alterado, havendo falta (anorexia) ou excesso, respectivamente com perda e ganho de peso.
Felizmente, hoje em dia existem tratamentos bastante eficazes (mesmo que não perfeitos) para a depressão, por meio de medicações chamadas de "antidepressivos". Alguns tipos de psicoterapia também são úteis, e existem tratamentos alternativos para casos graves (principalmente a eletroconvulsoterapia).
Os transtornos alimentares são caracterizados por uma persistente alteração do processo de alimentação, que leva a alterações do consumo ou absorção dos alimentos ao ponto de prejudicar a saúde e o funcionamento psicológico e social da pessoa. Existem vários tipos de transtornos de alimentação (American Psychiatric Association, 2013):
- Pica: consumo persistente de substâncias não alimentícias e não nutritivas, como sabonetes, cabelos, tecidos e outros (não se considera este diagnóstico quando ocorre em crianças pequenas que, eventualmente, ingerem este tipo de material)
- Transtorno de ruminação: comportamento repetitivo de regurgitação de alimentos, com duração de pelo menos um mês. Após a primeira mastigação, a comida é regurgitada e novamente mastigada, cuspida ou novamente engolida
- Transtorno de evitação ou restrição da alimentação: a pessoa evita ou apresenta perda de interesse por alimentos ao ponto de sofrer graves deficiências nutricionais
- Anorexia nervosa: restrição persistente à ingestão de calorias suficientes para o organismo, acompanhada de medo intenso de aumentar de peso e alteração da percepção do próprio corpo
- Bulimia nervosa: episódios recorrentes de ingestão de grande quantidade de alimentos num curto espaço de tempo (até cerca de 2 horas), acompanhado por tentativas inadequadas de controle do peso, por exemplo, através de laxativos, diuréticos ou exercícios excessivos
- Transtorno de compulsão alimentar periódica: episódios recorrentes de consumo compulsivo de alimentos em curto espaço de tempo (até cerca de 2 horas).
A obesidade, em princípio, não constitui um transtorno psiquiátrico, podendo ocorrer em pessoas normais. No entanto, ela pode ser uma consequência de comportamentos presentes em vários tipos de problemas psiquiátricos, como do excesso de alimentação em quadros depressivo, das tentativas malsucedidas de controle de peso na bulimia nervosa ou uma consequência da alimentação compulsiva periódica.
A depressão constitui o quadro psiquiátrico mais frequentemente associado aos transtornos alimentares (Becker et al., 2014). Alguns pesquisadores acreditam que os mecanismos que levam à obesidade e aqueles que levam à depressão poderiam ter aspectos em comum (Rossetti et al., 2014) e é possível que, em alguns casos, o tratamento da obesidade leve à melhora da depressão (Fabricatore et al., 2011). Finalmente, no caso da bulimia nervosa e da alimentação compulsiva periódica, antidepressivos comumente usados em depressões poderiam ajudar no controle dos sintomas (Mitchell et al., 2013). Porém, de modo geral, o tratamento da depressão e dos transtornos alimentares continua sendo diferente. Além disso, pessoas deprimidas que se beneficiam de um tratamento antidepressivo ainda podem manter seus problemas alimentares e vice-versa.
Em casos de pessoas deprimidas com obesidade, o profissional deve tomar cuidado em evitar a prescrição de alguns antidepressivos que facilitam o aumento de peso. Inclusive, existem alguns antidepressivos que facilitam a perda de peso - em algumas pessoas mais que em outras - como alguns medicamentos inibidores seletivos de receptação de serotonina e a bupropiona. Infelizmente, muitas vezes essas medicações só diminuem o apetite nas primeiras semanas ou meses de tratamento. Além disto, logicamente, se a depressão for grave e não houver outra saída, deve-se apelar para o antidepressivo que for mais eficiente, independente da questão do peso.
Em relação aos transtornos alimentares, eles são tratados de modo geral com medidas psicossociais (Powers; Cloak, 2012), envolvendo algum tipo de psicoterapia (como a terapia cognitivo-comportamental ou a terapia comportamental), modificações do estilo de vida e, em casos onde o excesso de peso seja o principal problema, exercícios físicos aeróbicos. Quanto a medicações para a obesidade, existem algumas que podem ser úteis (sempre sob acompanhamento médico): a naltrexona e o dissulfiram (originalmente criados para o tratamento do alcoolismo); o orlistat e outras medicações que impedem a absorção de gorduras; o topiramato (desenvolvido como medicação para epilepsias), a sibutramina e a fentermina, que no Brasil já foram proibidas. Estas medicações não são antidepressivos.
Dentro deste contexto, é importante que as pessoas saibam que, se tiverem tanto depressão quanto algum transtorno alimentar, os dois problemas precisam ser tratados. As chances de sucesso dependem da gravidade de cada caso mas, o mais o importante, como em qualquer tratamento médico, é a persistência e a adesão às orientações profissionais.
Saiba mais: Oito funções da serotonina
Referências
American Psychiatric Association Diagnostic and statistical manual of mental disorders Fifth edition (DSM-5TM) (2013) American Psychiatric Publishing, Washington, DC; London, England. 947 p.
Becker CB, Plasencia M, Kilpela LS, Briggs M, Stewart T Changing the course of comorbid eating disorders and depression: what is the role of public health interventions in targeting shared risk factors? J Eat Disord v. 2:15 (15 p.)
Rossetti C, Halfon O, Boutrel B Controversies about a common etiology for eating and mood disorders Front Psychol; 5; 1205 (19 p.)
Fabricatore NA, Wadden TA, Higginbotham AJ, Faulconbridge LF, Nguyen AM, Heymsfield SB, Faith MS Intentional weight loss and changes in symptoms of depression: a systematic review and meta-analysis Int J Obes (London) v. 35, p. 1363-76, 2011.
Mitchell JE, Roerig J, Steffen K Biological therapies for eating disorders Int J Eat Disord v. 46, p. 470-7, 2013.
Powers OS; Cloak NL Psychopharmacologic treatment of obesity and eating disorders in children and adolescentes Child Adolesc Psychiatr Clin N Am v. 21, p. 831-59, 2012.