José David Urbaez Brito Infectologista da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, ex-diretor da Sociedade Brasileira de...
iRedatora especialista na cobertura de conteúdos sobre saúde, bem-estar, maternidade, alimentação e fitness.
O que é Varíola dos macacos?
A varíola dos macacos (CID 10. B04) é uma doença causada pelo vírus monkeypox, que pertence ao gênero Orthopoxvirus e à família Poxviridae. Trata-se de uma zoonose viral, ou seja, uma infecção transmitida de animais para humanos, mas cuja transmissão também pode ocorrer entre uma pessoa infectada a outra saudável.
Onde e como surgiu a varíola dos macacos?
O vírus monkeypox foi descoberto pela primeira vez em 1958, quando dois surtos de uma doença semelhante à varíola ocorreram em colônias de macacos mantidos para pesquisa, dando origem ao seu nome.
O primeiro caso de varíola dos macacos em humanos surgiu em 1970, na República Democrática do Congo. Desde então, a doença foi relatada em diversos países da África Central e Ocidental, tendo se tornando endêmica em países como: Camarões, República Centro-Africana, Costa do Marfim, Gabão, Libéria, Nigéria, República do Congo e Serra Leoa, além da própria República Democrática do Congo.
Ao longo dos anos, casos isolados de varíola dos macacos foram notificados em países fora do continente africano, estando relacionados a viagens internacionais a países onde a doença é endêmica ou a casos de pessoas que tinham roedores como animais de estimação.
Em 2022 foram relatados casos de varíola dos macacos na Europa, na América e no Oriente Médio, chamando a atenção das autoridades, já que não estavam ligados a viagens internacionais aos países endêmicos.
Varíola dos macacos x varíola humana
O vírus da varíola dos macacos pertence à mesma família do patógeno da varíola humana, mas apresentam características diferentes. “A morfologia, a estrutura, o genoma e a forma de manifestação clínica, seja no humano, seja no macaco, são diferentes”, explica Giliane Trindade, professora do departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (IBC-UFMG) e integrante do Câmara Técnica Temporária do Ministério de Ciências, Tecnologia e Inovações.
“A varíola humana já foi erradicada e não tem transmissão natural no planeta desde o final da década de 1970. Já o monkeypox é um vírus de circulação no continente africano e, por isso, o consideramos um vírus endêmico da África”, completa a professora.
Além disso, a diferença entre as duas doenças também é notada pela gravidade dos sintomas. “A varíola humana é uma doença grave, sistêmica, que dizimou a população humana por séculos. Mas ela não existe mais, graças ao sucesso consagrado da vacinação”, acrescenta o infectologista José David Urbaez Brito, conselheiro da Sociedade Brasileira de Infectologia. “Já a varíola dos macacos é um quadro mais benigno que eu costumo comparar com a catapora, por exemplo”, avalia.
Varíola dos macacos é grave?
Giliane explica que a varíola dos macacos não é grave, mas que alguns casos específicos podem evoluir para quadros mais sérios. “Isso pode acontecer seja devido à própria infecção ou pelo desdobramento de uma sepse ou de uma infecção bacteriana secundária, mas isso não ocorre na maioria dos casos”, explica a professora.
Segundo ela, a taxa de letalidade vai variar de 1% a 10%, dependendo da condição de saúde do indivíduo e do grau da infecção. Para José David, os casos graves são mais comuns em pessoas imunossuprimidas e crianças pequenas, porém o infectologista ressalta que as ocorrências recentes, que têm acometido países não endêmicos, são, em sua maioria, leves.
Casos de varíola dos macacos no mundo: atualizações
No mundo, até o dia 22 de agosto de 2022, foram registrados 41,5 mil casos de varíola dos macacos em, pelo menos, 96 países, de acordo com levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS). Os Estados Unidos lidera o ranking de casos, com 14,5 mil ocorrências. Em seguida, está a Espanha, com 5,7 mil infectados.
No dia 23 de julho de 2022, a entidade decretou emergência sanitária global para a varíola dos macacos, a fim de unir esforços dos países-membros para identificar os casos e controlar a transmissão.
Casos de varíola dos macacos no Brasil: atualizações
O primeiro caso de varíola dos macacos no Brasil foi confirmado em São Paulo no dia 8 de junho de 2022. O paciente, um homem de 41 anos tinha viajado à Espanha. Até o dia 24 de agosto, o país somava 4.144 casos da doença, com uma morte confirmada em Minas Gerais. O Brasil é o terceiro país com maior número de infectados no mundo.
A maioria dos casos se concentra em São Paulo e Rio de Janeiro, mas também há registros da doença em Minas Gerais, Distrito Federal, Paraná, Goiás, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Pernambuco, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, Amazonas, Pará, Paraíba, Piauí, Alagoas, Maranhão, Acre e Tocantins.
No dia 22 de agosto de 2022, o Ministério da Saúde divulgou um boletim epidemiológico sobre a monkeypox no Brasil, com um balanço da distribuição dos casos nas regiões brasileiras, assim como o perfil dos pacientes com a doença.
Segundo o documento, 93,2% dos casos confirmados e prováveis foram registrados em homens. A incidência maior da doença está entre a população de 18 a 49 anos, que corresponde a 2.979 dos casos confirmados e prováveis.
O país tem 77 casos confirmados em crianças e adolescentes de 0 a 17 anos, uma incidência de 3,5% das infecções. Desses, 20 casos (0,6%) foram identificados entre crianças de 0 a 4 anos.
Causas
A varíola dos macacos é causada pelo vírus monkeypox. Apesar do nome, o hospedeiro da varíola ainda é desconhecido, embora haja suspeitas de que os roedores desempenham um papel importante na transmissão.
O monkeypox é transmitido através do contato com uma pessoa ou animal infectado, além da transmissão indireta, por meio do contato com objetos infectados.
A transmissão da varíola dos macacos pode ocorrer por via respiratória, por gotículas respiratórias ou através de lesões na pele (mesmo que não visíveis). Geralmente as gotículas não conseguem viajar por muitos metros, por isso a transmissão acontece por meio do contato próximo e prolongado com uma pessoa infectada.
Já a transmissão de animal para humano pode acontecer por meio de mordida ou arranhão, preparação de carne de caça, contato direto com fluidos corporais ou através de contato com objetos contaminados que o animal teve acesso.
A varíola dos macacos é sexualmente transmissível?
Entre as teorias que poderiam explicar o surto da varíola dos macacos em 2022 está a transmissão via relação sexual, principalmente entre homens que fazem sexo com homens, já que grande parte dos casos foram identificados em homens homossexuais. Porém, não há evidências que comprovem essa suspeita.
“Nós não temos essa comprovação na literatura. O que sabemos é que o ato sexual é um contato íntimo, próximo e prolongado. Então, existe o contato com a saliva do outro indivíduo e contato de pele com pele. Portanto, o que estamos imaginando é que o ato sexual em si pode ter favorecido a transmissão à medida que ele é um ponto de contato próximo e prolongado”, explica Giliane.
Tipos
Existem dois subtipos de varíola dos macacos, que variam de acordo com a região endêmica:
- Subtipo da África Central: é mais grave, com letalidade de 10%;
- Subtipo da África Ocidental: mais leve, com letalidade de 2% a 3%, causadora do surto em 2022.
Para efeito de comparação, a varíola humana tinha uma letalidade de 30%. Estima-se que a doença tenha vitimado cerca de 300 milhões de pessoas ao longo da história.
Sintomas
Os sintomas da varíola dos macacos são parecidos com os sintomas da varíola humana, porém são, de maneira geral, mais leves. A principal diferença está no inchaço nos gânglios linfáticos, condição chamada linfadenopatia. O período de incubação do vírus — ou seja, o tempo desde a infecção até os sintomas — é de sete a 14 dias, podendo variar de cinco a 21 dias.
Os sintomas iniciais são:
- Linfonodos inchados;
- Arrepios;
- Exaustão.
Dentro de um a três dias após os primeiros sintomas, o paciente desenvolve lesões na pele, caracterizadas por seu aspecto perolado e pela presença de líquidos. De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, essas erupções cutâneas passam pelos seguintes estágios até desaparecerem:
- Máculas;
- Pápulas;
- Vesículas;
- Pústulas;
- Escaras.
Segundo a professora Giliane, essas lesões na pele são contagiosas. “Elas são riquíssimas de vírus, então, ao entrar em contato com essa pele infectada, há o contato direto com as partículas virais e a pessoa pode se contaminar”, informa. A infecção pela varíola dos macacos tem duração de duas a quatro semanas.
Diagnóstico
O diagnóstico de varíola dos macacos deve ser confirmado por meio de um teste de laboratório PCR, que detecta o vírus nas lesões de pele. No Brasil, esse teste está disponível e, segundo a Anvisa, é feito por meio de ensaios moleculares de PCR com metodologia desenvolvida pelo próprio laboratório de análise clínica, com base em protocolos validados.
De acordo com o manual da MSD, também é possível detectar o vírus através de exame de cultura, exame imuno-histoquímico e microscopia eletrônica.
O diagnóstico clínico, ou seja, baseado em sintomas e histórico, pode ser confundido com outras doenças, como a catapora e, por isso, não é o suficiente para a confirmação da infecção.
Fatores de risco
Alguns grupos de pessoas apresentam maior risco de desenvolver um quadro grave da varíola dos macacos. São eles:
- Pessoas com imunocomprometimento;
- Crianças com menos de oito anos de idade;
- Gestante ou lactantes;
- Pessoas com complicações causadas pela infecção, como: infecção bacteriana secundária na pele; náuseas e vômitos graves, diarreia ou desidratação; broncopneumonia; doença concomitante e outras comorbidades.
Tratamento
Atualmente, não existe tratamento específico para a varíola dos macacos, apenas medidas para aliviar os sintomas. “Hidratação e uso de antitérmicos e analgésicos fazem parte desse tratamento de suporte”, explica Giliane.
No entanto, existem medicamentos antivirais que são licenciados para tratamento da varíola dos macacos, são eles: Tecovirimat e Cidofovir. O primeiro é licenciado para tratamento da varíola humana e pode ser usado em casos de surto causado pelo vírus monkeypox.
Já o segundo é um medicamento comumente usado para o tratamento da retinite por citomegalovírus em pacientes com AIDS, também podendo ser usado para o tratamento de varíola dos macacos em casos de surto.
Tem cura?
Sim, a varíola dos macacos tem cura, já que é uma doença autolimitada, ou seja, o próprio sistema imunológico é capaz de eliminar o vírus e o paciente consegue se recuperar. A doença pode durar de duas a quatro semanas.
Prevenção
Há uma série de medidas possíveis de prevenção da varíola dos macacos. A primeira delas é isolar pessoas com sintomas suspeitos e com diagnóstico confirmado da infecção. Além disso, é importante evitar o contato com animais que possam abrigar o vírus.
Manter a higiene das mãos, com o uso de álcool em gel e água e sabão para lavá-las, é essencial. Também é fundamental evitar o contato com materiais que tenham tido contato com pessoas infectadas, como roupa de cama, roupas, talheres e outros objetos. Os médicos que estiverem tratando pacientes com a doença devem usar equipamento de proteção individual (EPI) durante o atendimento.
“As medidas usadas para conter a COVID-19 vão servir muito bem para a prevenção do monkeypox, porque esse é um vírus transmitido por via respiratória”, explica Giliane. “Então, é recomendado usar máscaras, evitar contato com pessoas suspeitas ou com casos confirmados e lavar bem as mãos”, elenca.
Tem vacina para varíola dos macacos?
Não existe uma vacina específica para a varíola dos macacos, porém estudos mostram que uma vacina utilizada para a varíola humana, a JYNNEOS — produzida pela farmacêutica Bavarian Nordic — é 85% eficaz contra a varíola dos macacos. De acordo com o CDC, o imunizante pode tornar a doença menos grave.
Nos Estados Unidos, essa vacina já é aplicada na população. Além deles, o Reino Unido passou a aplicar vacina contra varíola em pessoas com maior risco de um quadro grave de varíola dos macacos.
“Essa é a única solução que temos no momento em termos de vacina”, explica Giliane. “Embora não esteja disponível mundialmente, a notícia boa é que não há uma tecnologia a ser desenvolvida, pois a vacina já existe. Ela só precisa ser fabricada e disponibilizada a partir do interesse de cada país”, completa.
No Brasil, a vacina contra a varíola humana não é aplicada desde a década de 1970, quando a doença foi considerada erradicada.
Referências
Giliane Trindade, professora do departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas e integrante do Câmara Técnica Temporária do Ministério de Ciências, Tecnologia e Inovações para monitoramento da varíola dos macacos
José David Urbaez Brito, infectologista conselheiro da Sociedade Brasileira de Infectologia