Médica Infectologista graduada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com residência médica pela Universidade...
iA infecção pelo HIV acarreta, entre outros danos, lesão direta aos linfócitos T CD4, responsáveis pelo controle de infecções. À medida que a infecção pelo HIV avança, o número de linfócitos T CD4 cai. Quanto menor a contagem de CD4, mais comprometida fica a resposta imune daquele hospedeiro.
Quando a imunidade é severamente comprometida e a contagem de CD4 é baixa, podem ocorrer infecções oportunistas (IO). Elas são causadas por agentes que normalmente seriam contidos por sistemas imunológicos competentes, mas que nesses casos, "se aproveitam" da falha imunológica. Os sintomas são diversos e dependem da doença oportunista em questão, que pode ser causada por fungos, microbactérias e parasitas.
Muitas vezes estes sintomas de HIV se confundem com os da Aids: febre, perda de peso, fadiga e anemia. Outras vezes, eles são intensos e colocam a vida do paciente em risco. Por esse motivo, em pacientes com imunidade comprometida, são realizadas investigações exaustivas para infecções oportunistas. Se diagnosticadas, são prontamente tratadas e eventualmente, mesmo sem confirmação, são iniciados tratamentos para infecções oportunistas baseados em ?pistas?.
Nenhuma doença oportunista pode ser adequadamente debelada se o sistema imunológico não for reestabelecido ou no mínimo controlado. O tratamento das infecções oportunistas requer o controle do HIV. Para tanto, são utilizados tratamentos específicos contra o vírus, como a terapia antirretroviral (TARV). A TARV é um conjunto de medicamentos combinados que inibe a replicação do vírus HIV. Conforme o tratamento o inibe a replicação do vírus HIV, sua quantidade circulante no organismo diminui. Isso é medido pela carga viral de HIV. Com a TARV, a carga viral diminui, dando condições para que os linfócitos T CD4 se recuperem e voltem a aumentar em número. Assim, tratar a infecção oportunista e tratar o HIV andam lado a lado.
No entanto, essa tarefa nem sempre é simples. São inúmeras as dificuldades causadas pela interação entre os medicamentos para o HIV e os tratamentos específicos para cada uma das infecções oportunistas. Além disso, a TARV pode causar piora nos sintomas dessas infecções. Sim, você entendeu bem. O tratamento das infecções oportunistas e da Aids pode fazer o paciente piorar.
O paradoxo tem explicação: à medida que o sistema imunológico se fortalece, o paciente apresenta piora dos sintomas das infecções oportunistas porque parte deles nada mais é do que a resposta do organismo contra a infecção. Com a melhoria da resposta imune, a inflamação causada pelo hospedeiro (paciente) contra o invasor (IO) é percebida pela piora nos sintomas. Esta é a chamada Síndrome Inflamatória da Reconstituição Imune em HIV/Aids (SIRI).
Pacientes com tuberculose em geral têm febre, perda de peso e suores noturnos. Em pacientes infectados pelo HIV, é a principal causa de morte.
Pacientes graves com HIV são inicialmente tratados para tuberculose. Em algumas semanas a TARV é iniciada, e pacientes que muitas vezes já não tinham mais febre podem voltar a ter esse sintoma e apresentar aumento em linfonodos (gânglios), que podem inclusive abrir e drenar secreção espontaneamente. Para alguém que estava feliz ao ver desaparecer a febre, voltar a tê-la e se ver às voltas com grandes gânglios pode parecer um retrocesso. Nesse processo é preciso ter calma, pois essas mudanças fazem parte do processo de melhora. Outro problema frequente nos pacientes severamente imunocomprometidos é a infecção por Cryptococcus neoformans, fungo comum na natureza. Ele pode causar doença no sistema nervoso central, como a meningite. A neurocriptococose é uma infecção extremamente grave, que pode levar à morte ou sequelas graves, com comprometimento das funções cognitivas e motoras de forma permanente. Sua evolução também pode piorar quando iniciada a terapia antirretroviral. Em geral, essa piora é temporária, mas algumas vezes ela pode levar ao coma e até a morte.
Essa piora no quadro antes da melhora também pode acontecer em várias outras infecções oportunistas, como aquelas causadas por citomegalovírus (CMV), complexo Mycobacterium Avium (MAC), herpes zoster, sarcoma de Kaposi, hepatites B e C, entre outros.
Como era de se esperar em pacientes tão doentes, o diagnóstico de SIRI não é simples. A piora clínica em um indivíduo imunocomprometido pode representar outra infecção e não piora de alguma pré-existente. Não há exames confirmatórios de SIRI e seu diagnóstico depende de um conjunto de informações clínicas e laboratoriais e da expertise da equipe médica para excluir outros diagnósticos.
Não é possível prever em quais pacientes a SIRI vai acontecer. Sabemos, no entanto, que quanto menor a contagem de linfócitos T CD4 do paciente e quanto mais precocemente a TARV for iniciada, maior o risco da SIRI. Esse é o grande dilema dos infectologistas: adiar a TARV aumenta a mortalidade de pacientes imunocomprometidos, mas iniciar TARV em paciente com infecção oportunista precocemente aumenta o risco da SIRI, que em situações extremas pode levar ao óbito.
As manifestações da SIRI são diversas e dependem da infecção oportunista e local acometido. Via de regra, o paciente apresenta febre e piora de sintomas prévios, podendo, ainda, haver aparecimento de novos sintomas.
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O tratamento da SIRI baseia-se em medicamentos para diminuir a inflamação e, apenas em casos excepcionais é indicada suspensão da TARV. A despeito do desconforto causado pelos sintomas da SIRI, seu controle é geralmente possível e o risco de morte por SIRI é menor do que o risco de óbito por não tratar o HIV.
A prevenção da SIRI baseia-se no início oportuno da TARV, na suspeita de sua ocorrência e no monitoramento contínuo. Nenhuma dessas ações impede sua ocorrência. A única forma de prevenir efetivamente a SIRI é evitar seu maior fator de risco: baixas contagens de linfócitos T CD4. Para tanto, é fundamental insistir no diagnóstico precoce da infecção pelo HIV (os linfócitos T CD4 decaem ao longo do tempo, provavelmente ao longo de alguns anos) e no início precoce da TARV, com níveis mais altos de CD4.