Redatora de saúde, família e bem-estar, com foco em comportamento e saúde mental.
A compreensão sobre a vida e sobre nós mesmos, muitas vezes, vem de trás para frente. Talvez você não tenha se dado conta disso. Mas muitas vezes, o aprendizado que tiramos de determinada situação nos ajuda a entender, por exemplo, o por quê de termos vivenciado aquela experiência.
Por exemplo, o fundador da Apple, Steve Jobs disse em seu famoso discurso para os formandos da faculdade de Stanford que na época em que ele estava na faculdade chegou a abandonar as aulas regulares e se dedicou a aprender caligrafia. Ele ficou fascinado pelo estudo das letras, mas não sabia o que faria com aquele aprendizado. No entanto, anos mais tarde, quando estava projetando o primeiro Macintosh, ele se lembrou daquelas aulas. E foi justamente o conhecimento que Jobs tinha adquirido na graduação que possibilitaram que o Mac tivesse múltiplas fontes. Foi aí que ele entendeu a importância de ter feito aulas de caligrafia anos atrás.
Vânia Castanheira também tem uma história que ilustra que o aprendizado vem de trás para frente. Só que ao invés de aprender caligrafia para no futuro inovar a indústria da computação, ela aprendeu que um câncer de mama poderia ajudá-la a se conhecer melhor e transformar sua vida.
"O câncer ofereceu-me uma nova perspectiva sobre a vida, sobre quem sou eu, qual a minha essência, o que estou fazendo nesta vida que passa que nem trem bala e com quem eu quero vive-la. E também de que forma eu posso contribuir com um mundo melhor", contou ela ao Minha Vida.
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Vânia tem 36 anos é portuguesa e vive no Brasil há 13 anos. Ela é autora do blog Minha Vida Comigo, projeto que surgiu durante o seu tratamento oncológico como forma de compartilhar com outras pessoas o conhecimento adquirido com a experiência. Também é Medical Coach e membro do Institute of Coaching - Harvard Medical School, autora do livro, publicado em Portugal e no Brasil, "O câncer foi minha cura" e palestrante, tendo participado já do TEDx São Paulo Women de 2015.
O currículo de Vânia é vasto. Apreciadora da leitura e dos estudos, ela é do tipo pessoa que quando se dedica a um projeto entra de cabeça e busca ultrapassar o próprios limites. No entanto, grande parte de seu aprendizado nem sempre vem dos livros, e sim das experiências que vivencia, das pessoas que lhe propiciam trocas e também das alegrias e tristezas que a vida lhe apresenta.
O começo de um aprendizado
Em janeiro de 2013, Vânia tinha como uma de suas metas engravidar. Estava com 31 anos, casada há um ano e meio e parecia ser o momento de pensar em maternidade. Estava com os exames ginecológicos todos em dia e dentro da normalidade. Mas, até então, nunca havia realizado uma mamografia, pois era jovem demais. Nesse período ela descobriu um nódulo no seio.
Ela conta que achou estranho, mas não se assustou. Na sua cabeça era apenas uma alteração hormonal devido a um período de forte estresse. Marcou uma consulta no ginecologista só para tirar a dúvida da cabeça.
Passou pela consulta, fez o exame e foi relaxar de férias na Bahia. Quando voltou de férias, já trabalhando, pediu ao seu marido para buscar o exames. "Ele me ligou e disse o que estava escrito: 'Carcinoma Ductal Grau II'. Eu não fazia ideia do que significava Carcinoma. Digitei no Google que já completou: câncer de mama", lembra.
Na hora Vânia fechou o laptop e depois respondeu ao seu marido. "Amor estou com câncer de mama. Preciso desligar. Vou ligar para minha ginecologista e já te ligo", afirma.
Vânia lembra que aquela foi uma das sensações mais confusas pelas quais já passou. Teve até vontade rir, pois achava a situação ridícula demais. "Eu não podia ter um câncer. Aquilo não combinava comigo. Parecia ser uma pegadinha. E se era uma pegadinha eu deveria rir. Certo?".
Ao se olhar no espelho, Vânia não se enxergava. "Quem sou eu? eu perguntava. Só tenho 31 anos. Não tenho idade para morrer. Eu não vou morrer. Não sinto isso. Ainda nem contribui em nada com o mundo. Nem um filho, nada. Afinal, o que vim fazer aqui?", indagou.
Desde sempre questionadora, Vânia acredita que cada pessoa tem uma espécie de missão no mundo. Mas confessa que não achava que sua missão estava completa. Para falar a verdade nem tinha ideia na época de qual era sua missão e sua motivação. Chegou a se questionar se existia alguma mudança que pudesse fazer. "Só vim gastar oxigênio e recursos ao planeta?!" Um turbilhão na minha cabeça".
Antes de ser diagnosticada com câncer de mama, Vânia não tinha o costume de pensar muito sobre sua vida. Sua rotina era baseada no piloto automático e no "deixar o tempo passar". "Fazia o que precisava ser feito. Não impunha e nem mesmo sabia quais eram os meus limites. Apenas reagia às necessidades, esquecendo-me das minhas", lembra.
O resultado de suas escolhas lhe causava cansaço e desânimo. No domingo a tarde seu estômago já apertava só de pensar em começar a semana novamente. Vânia não sabia quais eram suas necessidades e, portanto, não as expunha, ganhando assim um papel de coadjuvante em sua própria vida.
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Algo tinha mudar e mudou. Infelizmente não era devido a gravidez planejada e sim devido ao câncer.
Aprender nem sempre é fácil
Para tratar o câncer, Vânia precisou fazer duas cirurgias na mama, quadrante + setor, pois na primeira cirurgia descobriram que havia mais um tumor ao lado. Ela precisou fazer fertilização de embriões, pois o tratamento poderia deixá-la estéril ou numa menopausa precoce. Além disso, precisou fazer 16 sessões de quimioterapia e 30 radioterapias. O saldo do tratamento ela sabe de cor. "Fiquei careca, sem cílios, sem sobrancelhas, sem cor, sem músculos e sem energia", desabafa.
As informações sobre o tratamento que precisaria fazer não vieram de uma vez para Vânia. Tanto que ela achou que não precisaria fazer quimioterapia. Quando descobriu que precisaria realizar a quimioterapia se deparou com um dos momentos mais difíceis de seu tratamento. Sentiu medo de ficar infértil, de perder os cabelos e de todos os efeitos colaterais do tratamento.
"Neste dia chorei muito, na frente do médico e do meu marido, que nunca tinha me visto chorar. Quando cheguei em casa depois da consulta do oncologista, de passar no médico da fertilidade, pois poderia ficar infértil com a quimioterapia, e na farmácia, pedi ao meu marido duas horas sozinhas. Pedi também que avisasse à família que eu não poderia falar com ninguém".
Durante aquelas horas, Vânia se afastou um pouco do mundo e foi olhar para si. Refletiu, passou uma lupa em seus sentimentos. Depois de mergulhar de forma tão profunda em si, conseguiu fôlego para respirar e se acalmar. "Quando me acalmei, comecei a procurar coisas positivas no meio de tanta informação negativa. e fui achando. Comecei pelas pequenas coisas e fui me agarrando a elas. Sai do quarto energizada. Estava exausta, rouca, mas energizada e pronta para a batalha seguinte", recorda.
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Nos momentos de dores e enjoos causados pela quimioterapia, Vânia pensava em formas de negociar com o médico para fazer menos quimioterapias. Ai, lembrava-se das que já tinha feito e de como aquilo iria deixá-la com mais saúde.
"Hoje vejo o tratamento como algo que precisei, não tanto para eliminar 100% o câncer físico, mas para mergulhar na introspecção do 'quem sou eu?' o que 'estou fazendo aqui?' e 'com quem eu quero seguir daqui em diante?'."
Aprendizado transforma
A quimioterapia fez com que Vânia perdesse o que ela mesma chama de "molduras estéticas", características que ela achava até então que eram capazes de defini-las. No entanto, perder esses contorno fez com que ela tivesse a chance de trazer a tona a força de sua essência e assumisse assim o protagonismo de sua história.
Como personagem principal de sua vida, Vânia passou a ser mais íntima de si, começou a respeitar mais suas necessidades, valores e limites. "Quando nós melhoramos conseguimos melhorar as pessoas à nossa volta, e como consequência, o mundo melhora", comemora.
Aprendendo sobre si mesma
Vânia gostou tanto do que viu dentro de si que passou a enxergar a introspecção como um momento de troca e uma oportunidade de arrumar a bagunça do mundo seu mundo interno.
Percebeu que precisava mudar sua relação com a alimentação, pois não associava a alimentação à saúde, mas mais a uma resultado físico. Da mesma forma, olhava os alimentos como fontes de calorias e não fontes de nutrientes. "Também não pensava nas combinações bioquímicas dos alimentos e como o que ingerimos serve de informação para as células do nosso corpo. Eu confesso que também não achava que era nossa responsabilidade cuidarmos da nossa saúde".
Além disso, Vânia passou a ter uma rotina mais saudável em que suas manhãs começam com ela mesma. Ao invés de acordar no susto, passou a despertar com calma, mesmo que um pouco mais cedo, tomar um bom café da manhã e praticar atividades físicas.
A área de trabalho de Vânia também mudou. Ela, que trabalhava como diretora de uma multinacional de tradução, voltou a estudar e fez novas formações. Aprendeu tanto sobre os mais diversos assuntos que decidiu criar o blog Minha Vida Comigo. A inspiração surgiu quatro dias antes de Vânia completar 32 anos. Ela conta que queria fazer algo que marcasse aquela data. Como pensou que ainda seria cedo para escrever um livro, pensou em começar com um blog. "Queria escrever sobre as etapas que estava passando, enquanto vivenciava aquelas experiências. Se não fosse naquele momento, depois esqueceria. Percebi que essa era minha forma de viver", relata.
Às 00h do dia 30 de junho de 2013 Vânia colocou seu blog no ar e foi dormir. Quando acordou, levou um susto, pois em 8 horas, além de um caixa cheia de mensagens, já estava com cerca de 20 mil acessos e milhares de curtidas. Nascia aí, mais do que um blog, um propósito de vida.
Aprendendo e ensinando
Para dar andamento ao trabalho realizado no blog, Vânia foi estudar o comportamento humano e fez diferentes formações que lhe possibilitaram tornar-se medical coach. Com isso, ela é capaz de orientar pessoas que estão passando por um câncer, ou outro desafio de saúde, trazendo empoderamento para o paciente equilíbrio e ferramentas para lidar com o medo, o estresse e a sobrecarga emocional.
Além disso, ela tem planos de realizar projetos dentro da área de Medicina multidisciplinar com o medical coaching dentro de hospitais e clínicas.
Melhor versão de si
Hoje Vânia está na fase de controle do seu tratamento e está mais próxima dos cinco anos do diagnóstico do câncer de mama. Quando chegar nessa época, o período dos exames de controle serão mais espaçados e a chance de recidiva também pode diminuir.
Além de ter aprendido mais sobre si mesma e sobre sua saúde, ela descobriu que é possível descobrir uma melhor versão de si para ela e para os outros. "Somos nós mesmos responsáveis por nossa vida, nossa saúde e nossa cura", conta.
Para quem convive com um câncer de mama, Vânia envia um recado cheio de carinho: "Esse desafio não te define. Você não é sua doença. Você é muito mais que isso. Tente se conhecer, saiba quais são os seus limites e suas necessidades", orienta.