É mentor em neurologia clínica para os residentes do Hospital Santa Paula, possui formação em medicina pela Pontifícia U...
iManuela Pagan é jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero (2014) e em fisioterapia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2008).
iO que é Cefaleia em salvas?
O termo "cefaleia em salvas" refere-se a uma doença neurológica que se manifesta por dores de cabeça que se repetem ao longo de um período de tempo. As pessoas com cefaleia em salvas sofrem com crises de dor que podem ocorrer várias vezes ao dia, por vários dias ou meses. Esses períodos de dor são entremeados por períodos em que a pessoa fica livre da dor.
O neurologista Alexandre Bossoni explica que os ataques e os períodos de dor (períodos de salvas) parecem estar ligados ao ritmo circadiano, ao “relógio biológico", sendo assim, é comum que os portadores de cefaleias em salvas sofram dores sempre na mesma época do ano ou então em apenas um horário do dia, ou ainda a intervalos regulares de tempo
Comumente as crises de dor de cabeça são noturnas, despertando o paciente do sono, uma a duas horas depois de ter ido para a cama. Os ataques noturnos podem ser mais graves do que os ataques diurnos.
A cefaleia em salvas pode desaparecer completamente (entrar em "remissão") por meses ou anos. É rara quando comparada aos outros tipos de dor primária. É mais comum em homens, numa razão em torno de 3:1 e pode iniciar-se em qualquer idade, sendo mais comum o início na segunda ou terceira décadas de vida.
Causas
A exata causa da cefaleia em salvas é desconhecida, sendo que a teoria mais aceita relaciona o quadro a anormalidades no hipotálamo. A regularidade peculiar das crises reforça essa teoria, pois estão no hipotálamo vários neurônios que marcam diversos ritmos intrínsecos do corpo humano que se repetem ao longo de dias e meses, como por exemplo temperatura, secreção de hormônios e sono.
Diferente da cefaleia tensional, a cefaleia em salvas não acontece quando o paciente é exposto a gatilhos, como alimentos, mudanças hormonais ou estresse. Algumas pessoas podem experimentar, no entanto, náusea ou episódios de cefaleia com aura parecidos com os sintomas da enxaqueca.
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Entretanto, uma vez que o período de salvas começa, o consumo de álcool pode facilmente piorar os sintomas. Por essa razão, pessoas com cefaleia em salvas devem evitar ingerir bebidas alcoólicas durante as crises.
Outros possíveis gatilhos incluem o uso de medicamentos como a nitroglicerina, comumente usada para tratar doenças cardíacas.
Tipos
Existem dois tipos de cefaleia em salvas: episódica e crônica.
- Cefaleia em salvas episódica: ocorre regularmente entre uma semana e um ano, seguido por um período sem dor de um mês ou mais
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Cefaleias em salvas crônica: ocorre regularmente durante mais de um ano, seguido por um período sem dor de cabeça que dura menos de um mês
Uma pessoa que tem cefaleia em salvas episódica pode desenvolver dores crônicas e vice-versa.
Sintomas
Os sintomas de cefaleia em salvas são caracterizados por uma dor intensa, unilateral, geralmente em torno da órbita ocular, durando de 15 a 180 minutos se não tratada. Pode ser acompanhada de:
- Vermelhidão no olho
- Lacrimejamento
- Congestão nasal
- Queda da pálpebra do mesmo lado da dor
O paciente tem sensação de inquietude ou de agitação durante a crise. As crises têm uma frequência de uma a cada dois dias a oito por dia.
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A cefaleia em salvas costuma atingir seu pico dentro de cinco ou dez minutos após o início. Os ataques geralmente são muito semelhantes, variando apenas ligeiramente de um ataque a outro.
Conheça mais características comuns da dor da cefaleia em salvas:
Tipo de dor da cefaleia em salvas
A dor da cefaleia em salvas ocorre quase sempre de um lado e permanece no mesmo lado até o fim da crise. Quando um novo período de dor é iniciado, raramente ocorre no lado oposto.
Intensidade da dor
A dor é geralmente muito intensa e grave, sendo descrita como uma queimação ou sensação de perfuração. Pode ser latejante ou constante. A dor é tão intensa que a maioria das pessoas que sofre de cefaleia em salvas não consegue ficar parada, precisando caminhar durante o ataque.
Localização da dor da cefaleia em salvas
A dor se localiza atrás de um olho ou na região do olho, sem alterar os lados. Ela pode irradiar para testa, têmpora, nariz, bochecha ou gengiva superior. O couro cabeludo pode ficar tenso e a pessoa apresentação pulso latejante.
Duração da dor
O episódio de cefaleia em salvas dura um curto período de tempo, geralmente de 30 a 90 minutos. Pode, no entanto, durar desde 15 minutos até três horas. A dor de cabeça desaparecerá para reaparecer mais tarde naquele dia. Normalmente, entre os ataques, as pessoas com cefaleia em salvas não sentem dor.
Frequência de dores de cabeça
A maioria dos pacientes sofre de um a três episódios por dia durante um período de salvas. Ocorrem muito regularmente, no geral na mesma hora a cada dia.
É bom entender a diferença entre cefaleia em salvas e enxaqueca e outros tipos de dores de cabeça. A imagem a seguir ajuda, de forma didática, a explicar a distinção entre os sintomas desses diferentes quadros:
Diagnóstico
O diagnóstico da cefaleia em salvas é feito com base na descrição dos sintomas. Se há alguma mudança no padrão dos sintomas ou o médico desconfiar de outras causas, pode ser pedida uma ressonância magnética ou tomografia computadorizada.
Fatores de risco
Fatores de risco para cefaleia em salvas incluem:
- Sexo: pessoas do sexo masculino são mais propensas a ter esse tipo de cefaleia do que pessoas do sexo feminino
- Idade: a doença é mais comum entre os 20 e os 50 anos, embora a condição possa se desenvolver em qualquer idade
- Tabagismo: muitas pessoas com cefaleia em salvas são fumantes
- Ingestão de álcool: bebidas alcoólicas podem desencadear ou piorar um ataque em pessoas que já estão em risco para cefaleia em salvas
- Histórico familiar: se o pai, a mãe ou um irmão já teve cefaleia de salvas, você tem um risco aumentado para desenvolver o problema
Na consulta médica
Especialistas que podem diagnosticar cefaleia em salvas são:
- Clínico geral
- Neurologista
- Oftalmologista
Saiba mais: 11 atitudes que facilitam a consulta médica
Estar preparado para a consulta pode facilitar o diagnóstico e otimizar o tempo. Dessa forma, você já pode chegar à consulta com algumas informações, com o uma lista com todos os sintomas e há quanto tempo eles apareceram.
Cada vez que você tiver uma crise, anote detalhes que podem ajudar a diagnosticar seu tipo específico de dor de cabeça, tais como duração da dor, intensidade, possíveis gatilhos e sintomas além da dor.
Buscando ajuda médica
Marque uma consulta médica se você começar a sentir dores de cabeça em salvas para descartar outras doenças e para encontrar o tratamento mais eficaz.
Dor de cabeça, mesmo quando grave, não é geralmente o resultado de uma doença subjacente. Mas, ocasionalmente, pode indicar uma condição médica grave subjacente, tal como tumor cerebral ou aneurisma.
Procure atendimento de emergência se tiver algum destes sinais e sintomas:
- Dor de cabeça súbita e intensa
- Dor de cabeça com febre, náuseas ou vômitos, rigidez do pescoço, confusão mental, convulsão, dormência ou dificuldades na fala
- Dor de cabeça depois de um ferimento, mesmo que seja uma pequena queda ou colisão, especialmente se piorar
- Uma dor de cabeça súbita, intensa e diferente de qualquer outra que você já experimentou
- Dor de cabeça que piora progressivamente ao longo de dias
Tratamento
Não há cura para cefaleia em salvas. O objetivo do tratamento consiste em reduzir a gravidade da dor, encurtar o período de dor e evitar os ataques.
Tratamentos para cefaleia em salvas de ação rápida
Como a dor de cabeça vem de repente e pode desaparecer dentro de um curto espaço de tempo, a cefaleia em salvas pode ser difícil de avaliar e tratar, uma vez que requer medicamentos de ação rápida.
Alguns remédios para cefaleia em salvas, além de terapias, podem aliviar a dor rapidamente. Esses tratamentos incluem:
- Oxigênio: inalar oxigênio através de uma máscara pode ser muito eficaz no tratamento da cefaleia em salvas. A principal desvantagem é a necessidade de transportar um cilindro de oxigênio e um regulador, o que pode tornar o tratamento inconveniente e inacessível. Pequenas unidades portáteis estão disponíveis, mas ainda sim essa técnica pode ser impraticável para algumas pessoas
- Triptanos, como sumatriptano (injetável ou intranasal) e zolmitriptana (spray nasal ou comprimido) são usados para o alívio da cefaleia em salvas. Mas cuidado: o sumatriptano não é recomendado para pacientes com pressão alta não controlada ou doença cardíaca
- Octreotida, versão sintética do hormônio somatostatina ministrado por injeção
- Anestésicos, como lidocaína, ministrado por via nasal
- Dihidroergotamina, por via nasal ou intravenosa no hospital
Tratamentos preventivos
A terapia preventiva começa no início do episódio de salvas com o objetivo de evitar os próximos ataques. O tratamento muitas vezes depende da duração e regularidade dos episódios.
Com orientação médica, os remédios podem ser gradualmente reduzidos, uma vez que o tempo esperado do episódio termina. Veja os tratamentos comuns:
- Bloqueadores dos canais de cálcio, ministrados via oral e muitas vezes usado em conjunto com outros medicamentos. Os efeitos colaterais podem incluir obstipação, náuseas, fadiga, inchaço dos tornozelos e pressão arterial baixa
- Corticosteroides, como a prednisona, são medicamentos preventivos que podem ser eficazes para cefaleia em salvas episódica com períodos leves. Efeitos secundários do uso prolongado incluem diabetes, hipertensão e catarata
- Carbonato de lítio, que é usado para tratar o transtorno bipolar, pode ser eficaz na prevenção da cefaleia em salvas crônica se outros medicamentos não tiveram sucesso. Os efeitos colaterais incluem tremor, aumento da sede e diarreia
- Bloqueio do nervo occipital, com anestésico pode ser usado como tratamento adjuvante (veja mais abaixo)
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Melatonina pode reduzir os episódios noturnos de cefaleia em salvas, segundo estudos. Na dúvida, converse com o médico ou médica
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Outros medicamentos preventivos usados para cefaleia incluem medicamentos anticonvulsivos, como o topiramato.
Cirurgia
“É uma conduta contraditória, de exceção, de resultados de longo prazo inconclusivos e ainda bastante questionados na literatura”, explica o neurologista Alexandre Bossoni. “A indicação não é feita de rotina e sua recomendação deveria ser feita com extremo cuidado apenas em pacientes sabidamente refratários aos tratamentos convencionais e com a ciência de que, mesmo fazendo-se a cirurgia, não se tem certeza absoluta de melhora total e completa da patologia”.
Os procedimentos cirúrgicos para cefaleia são feitos a fim de danificar as vias nervosas responsáveis pela dor, mais comumente o nervo trigêmeo, localizado na área atrás e em torno do olho.
Além de os benefícios de longo prazo da cirurgia não serem conclusivos, há possíveis complicações, incluindo fraqueza muscular na mandíbula ou perda sensorial em determinadas áreas do rosto e cabeça.
Estimulação do nervo occipital
Pesquisadores estão estudando um potencial tratamento chamado estimulação do nervo occipital. Neste procedimento, o cirurgião implanta eletrodos na parte de trás da cabeça do paciente e os conecta a um dispositivo de marcapasso do tipo pequeno. Os eletrodos enviam impulsos para estimular a área do nervo occipital, que pode bloquear ou aliviar os sinais de dor.
Existem estudos semelhantes em andamento com estimulação cerebral profunda. Neste procedimento, é implantado um eletrodo no hipotálamo, a área do cérebro associada com o relógio biológico e que possivelmente tem ligação com a cefaleia em salvas. O cirurgião conecta o eletrodo a um dispositivo que envia impulsos elétricos ao cérebro e pode ajudar a aliviar a dor.
A estimulação cerebral profunda do hipotálamo pode proporcionar alívio para as pessoas com cefaleia em salvas graves e crônicas que não obtiveram sucesso com outros medicamentos.
Tem cura?
Cefaleia em salvas não é uma doença fatal, mas não há cura. As dores de cabeça podem ficar mais ou menos frequentes e mais ou menos dolorosas ao longo do tempo, ou podem desaparecer completamente. É importante buscar o tratamento adequado e evitar hábitos que aumentem a dor.
Prevenção
Não é possível prevenir o primeiro ataque de cefaleia em salvas. No entanto, você pode encontrar possíveis gatilhos ou hábitos que piorem a dor, e então evitá-los durante as crises. Alguns pacientes sofrem a piora do quadro se forem expostos a alguns desses fatores:
- Álcool
- Tabaco
- Cocaína
- Altas altitudes
- Atividades estressantes
- Calor intenso
- Banhos muito quentes
- Alimentos com alta quantidade de nitratos, como bacon, cachorro quente e carnes embutidas
Convivendo (Prognóstico)
Embora a dor da cefaleia em salvas comece repentinamente, alguns sinais podem indicar quando ela se aproxima, possibilitando adiantar o tratamento. Veja:
- Sensação de desconforto ou sensação de queimação unilateral leve
- Um dos olhos pode ficar inchado ou com a pálpebra caída. A pupila do olho pode ficar menor e a conjuntiva (tecido rosa que alinha o interior da pálpebra) pode avermelhar
- Corrimento nasal ou lágrimas no olho durante um ataque, que ocorrem no mesmo lado que a dor
- Transpiração excessiva
- Rubor da face do lado afetado
- Sensibilidade à luz
Além disso, outras medidas podem ser tomadas para reduzir a dor da cefaleia em salvas, como ingestão de álcool ou mudanças nos hábitos de sono. Dessa forma, evitar bebidas alcoólicas e manter uma rotina de sono durante as crises pode ajudar.
Referências
Sociedade Brasileira de Cefaleia
National Institute of Neurological Disorders and Stroke
Mayo Clinic