Psicóloga formada pela PUC-SP (1989). Psicodramatista pelo Instituto Sedes Sapientiae. Especialista Clínica pelo CRP/SP,...
iVocê é uma pessoa resolvida, madura e de bem com a vida. Talvez já tenha desfeito um casamento, mas recuperou-se e está inteira, curtindo sua "solidão contente", como disse Ivan Martins em sua coluna da revista Época.
De repente, num momento totalmente inesperado, conhece alguém que lhe desperta uma paixão como nunca sentira antes: o papo flui, as energias vibram em total harmonia e os olhares parecem enxergar além do visível. A sensação é a de que já se conhecem há muito tempo - será que de outra vida? Num curto espaço de tempo, constroem sua intimidade e sabem muito mais um do outro do que imaginam.
Apesar das vidas opostas e dos hábitos diferentes, ambos descobrem que possuem os mesmos valores, desejos e sonhos. Uma força "do além" os une, sem explicação - afinal, nem tudo nessa vida precisa ser explicado, concorda?
Da noite para o dia, a sensação é a de que já fazem parte um da vida do outro. Cada acontecimento banal é compartilhado numa cumplicidade jamais vivida anteriormente.
A cada encontro, maior é o desejo de estar junto, o que é dificultado pelo estilo de vida de cada um: a distância entre as moradias (o que seria de nós sem as mensagens de texto e o celular?), a correria habitual de trabalho, filhos, casa, família... Cada um já possui sua estrutura montada e devidamente organizada sem espaço para grandes alterações. Aonde encaixar mais uma pessoa nesse ritmo já tão conhecido e adaptado?
Quando nos apaixonamos temos a chance de nos tornar pessoas melhores, mais felizes, realizadas e saudáveis. Ou não. Às vezes imaginamos que um novo amor pode nos tirar o equilíbrio emocional já conquistado. Outro impedimento para uma entrega a esse sentimento pode ser justamente o contrário: a falta de uma estrutura emocional necessária para bancar tudo o que envolve uma relação a dois.
Ser um casal é estar disposto a abrir mão de certos hábitos, assim como estar aberto ao exercício fundamental de colocar-se no lugar do outro para procurar entendê-lo em suas necessidades e sentimentos. A partir desse momento é preciso pensar em "nós", e não apenas no "eu".
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Nem todas as pessoas conseguem entregar-se de corpo e alma a uma nova experiência por mais que esta lhe pareça positiva, pois somos seres complicados, resistentes, temos medo do desconhecido, queremos certezas e garantia de sucesso - como se isso fosse possível!
Por que não experimentar o novo que me parece tão atraente? Por que fugir da intensidade arrebatadora de um sentimento que traz à tona a vontade de sair por aí dizendo às pessoas que a vida é bela e o amor é lindo?
Quem já se apaixonou sabe que as sensações vividas são as melhores possíveis. O sorriso aparece no rosto a todo instante sempre que a imagem do outro vem à mente. As músicas ganham outro significado, pois passamos a prestar atenção à letra, procurando aquela que represente melhor a nossa história.
Tudo ganha mais cor, os problemas são encarados com mais leveza, perdemos a fome, dormimos menos, ganhamos disposição, temos mais vontade de cuidar do nosso corpo e desejamos que o tempo voe para simplesmente chegar logo o momento de podermos olhar e tocar o rosto daquele ser tão especial e poderoso.
Ele se torna poderoso na medida em que traz à tona o melhor de nós, os sentimentos mais positivos, gostosos, leves e amáveis. A pessoa apaixonada traz um brilho especial no olhar que denuncia sua felicidade até aos menos sensíveis e observadores.
Enfim, isso é maravilhoso e todas as pessoas do mundo deveriam passar por tal experiência ao menos uma vez na vida para entender algo que, por mais que seja descrito, só faz sentido quando vivido.
Porém, sabemos que a paixão é um estágio inicial do relacionamento, motivo que impulsiona o casal a querer se conhecer mais para, através do tempo e da convivência, construir o que chamamos de amor. O problema aparece quando, durante essa vivência, um dos apaixonados deixa de retribuir o sentimento do outro, frustrando a expectativa inicial de que foram feitos um para o outro.
De repente o céu azul passa a apresentar nuvens acinzentadas. As cores perdem a intensidade. As músicas tornam-se tristes. O sorriso solto desaparece. Os sonhos já não fazem mais sentido. A vontade de se cuidar não é a mesma. Os problemas voltam a adquirir um peso maior. Os dias demoram a passar. E, por fim, uma dor se apodera do peito como se quisesse nos lembrar que nosso coração está ali, quebrado, machucado.
É aí que temos que tomar cuidado para que toda a energia direcionada a esse sentimento tão prazeroso que foi frustrado não se transforme numa depressão, deixando-nos levar por uma tristeza profunda que nos desequilibra por completo, minando a vontade de fazer qualquer outra coisa que não seja chorar pelo ente querido perdido.
O ser humano tem a incrível capacidade de passar pelos mais pesados traumas e reerguer-se, quando é de sua vontade. O ponto é esse: temos que querer sair dessa e resistir à tentação de entregar os pontos. Alguns momentos são muito difíceis, pois quando estamos envolvidos na dor parece que nunca conseguiremos deixar de senti-la. Mas sabemos que tudo na vida passa e até os sofrimentos mais doloridos têm seus dias contados para terminar.
Com isso em mente, tente encarar o fim de uma paixão como a possibilidade do início de uma nova fase, centrando-se em suas coisas, não deixando de se cuidar, dedicando-se ao trabalho e àquilo que gosta de fazer. Ao readquirir o equilíbrio emocional, naturalmente a vida se encaminhará da melhor forma.
E, para terminar, cito aqui um pensamento de Fernando Pessoa: "Enquanto não atravessarmos a dor da nossa própria solidão, continuaremos a nos buscar em outras metades. Para viver a dois, antes, é necessário ser um".
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