Evelyn Vinocur é doutora em Pediatria, graduada em 1978 pela Universidade Federal Fluminense (UFF), especialista em Pedi...
iA cognição é o conhecimento de si mesmo e do mundo e envolve funções como atenção, percepção, raciocínio, memória, interpretação, pensamento e linguagem. Sua avaliação é importante, pois é sabido que uma boa cognição se associa a uma melhor performance global na vida.
Muitas condições cursam com comprometimento cognitivo em diferentes graus de intensidade, sendo essencial o diagnóstico e tratamento precoces. Senão, o problema infantil pode evoluir de modo silencioso e crônico sob uma espiral decrescente na vida, com consequências como baixa autoestima e autoconfiança, sensação de fracasso, impotência, apatia, desmotivação e lentidão, que se associam a um baixo rendimento, fazendo com que esses pacientes, já adultos, sejam percebidos como emocionalmente empobrecidos.
Geralmente eles são rotulados como preguiçosos, sem determinação e força de vontade, desinteressados, lerdos e burros. A situação é preocupante, porque esses transtornos têm alta prevalência na vida e evoluem com sintomas no adulto em mais de 65% dos casos e na maioria das situações ficam sem diagnóstico.
Pelo pouco conhecimento da sociedade sobre os transtornos mentais, especialmente os da infância, muitos deles, apesar de terem tratamento eficaz, não são identificados e vão cursar com piora e cronificação dos sintomas e com a presença de outros distúrbios psiquiátricos, deixando o prognóstico reservado e sombrio.
E sem tratamento, crianças com problemas cognitivos certamente se tornarão adultos com esses quadros agravados, apresentados de forma crônica e com mais sequelas emocionais. Entre esses transtornos, temos: transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), transtornos de aprendizagem (dislexia, discalculia, disortografia ? dificuldades em ler, calcular e escrever, respectivamente), depressão, transtorno bipolar do humor, uso de substâncias psicoativas, entre outros.
Adultos com versões mais leves desses transtornos
Essas crianças, se não tratadas, não raro serão adultos com muitas dificuldades ao longo da vida. O comprometimento das funções executivas em adultos com TDAH tende a agravar as dificuldades prévias de aprendizagem.
Ainda assim, muitos passam pela vida sem diagnóstico ou então só quando entram para a faculdade ou diante de uma pressão maior na vida. O não diagnóstico pode ocorrer por conta de alguns fatores: os transtornos serem leves, com mais chance de passarem despercebidos; crianças com QI normal ou elevado e com forte suporte escolar e em casa...
A presença da puberdade, fase de transformações físicas, explosões de hormônios e afetos, com aumento de expectativas e pressões da vida, também é um fator que confunde o diagnóstico. Até onde um "jovem rebelde e desgovernado" estaria só atravessando uma turbulenta e normal adolescência? Assim, temos que conhecer bem os sintomas do desenvolvimento normal, pois a adolescência pode confundir até mesmo o especialista mais experiente.
O adulto jovem é cada vez mais cobrado. Dele, é exigido raciocínio abstrato, capacidade de elaboração de respostas, independência pessoal e financeira... Quando atendemos um adulto com dificuldades na escolaridade e no trabalho, é imprescindível fazermos uma triagem para os transtornos que afetam a sua cognição e funções executivas. Em sua maioria, eles estão presentes desde a infância/adolescência.
Como diagnosticar esses problemas em adultos
Por conta da disfunção executiva, fica difícil sustentar a atenção e a memória de trabalho, inibir pensamentos e comportamentos distratores, planejar e organizar atividades de rotina, ter noção da passagem do tempo, regular as emoções e as ações dirigidas a objetivos que não sejam de recompensa imediata entre outras. Eles também são mais imaturos em relação a seus pares.
Nas consultas, afastadas as causas clínicas e outros fatores como perdas, traumas ou violência, é fundamental a triagem para transtornos como o TDAH e dislexia, que afetam a capacidade cognitiva do adulto. Uma minuciosa história da pessoa desde a sua gestação, avaliação do nível de funcionamento na infância, adolescência e vida adulta, presença de sofrimento diário, prejuízo em vários ambientes, avaliação da história de saúde parental, adaptação psicossocial e avaliação cognitiva são pontos fundamentais que nos permitirão fazer o diagnóstico do paciente e sua data de início. Por vezes precisamos chamar algum familiar para ajudar nas informações.
Muitas vezes o adulto chega ao consultório reclamando de depressão, ou ansiedade, uso de álcool/drogas, irritabilidade e insônia. Ele e todos à sua volta jamais pensaram em TDAH, dislexia ou em problemas de início na infância. Cabe ao especialista experiente conduzir a anamnese de modo adequado. Um protocolo rigoroso deve ser seguido ou então o paciente correrá o risco de ser apenas tratado para a depressão ou para o sintoma que o levou à consulta. Por isso, muitas vezes pode ser tão difícil a detecção de tais quadros, pois eles exigem consultas longas, onde temos que saber o histórico de doenças do paciente e da família, que por sua vez, também podem ter o problema e achar que os sintomas não tem a ver com um transtorno e sim com o modo de ser da família.
Sucesso do tratamento tardio
Tudo vai depender do grau de intensidade da doença e da estrutura do sistema familiar. É claro que de modo geral, todo transtorno diagnosticado precocemente terá maiores chances de melhores resultados e menos probabilidade da presença de comorbidade. Mas o tratamento em adultos na maioria dos casos também é altamente eficaz. Nesses casos, é mais comum que o paciente precise recorrer além do medicamento, a um tratamento multidisciplinar em função de sequelas psicológicas e das possíveis comorbidades.