Graduado em Medicina pela Faculdade de Medicina do ABC (1978) e doutorado em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da U...
iQuase um senso comum quando o assunto é vinho, o possível efeito cardioprotetor da bebida tem sido colocado em xeque por pesquisadores. Se há estudos que apontam que o consumo moderado de vinho pode reduzir o risco de doenças do coração, uma revisão recente de 45 pesquisas indica que a questão precisa ser melhor investigada.
O tema ganhou destaque há mais de quatro décadas com a publicação da primeira pesquisa epidemiológica de impacto sobre o consumo de álcool e o risco de doenças cardíacas. Na ocasião, foram investigados 120 mil pacientes e levantou-se a possibilidade de que o baixo consumo de álcool poderia reduzir o risco de doença arterial coronariana.
De lá pra cá, muitos estudos foram publicados a respeito da relação entre o consumo de bebidas alcoólicas e a saúde cardiovascular, mas o efeito cardioprotetor do álcool ainda é controverso. Alguns autores apoiam o efeito benéfico de quantidades baixas ou moderadas de álcool (uma ou duas doses por dia*), que poderia estar ligado à presença de polifenóis, que são substâncias naturais com potentes propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias, encontrados no vinho tinto e cerveja escura. Mas outros pesquisadores questionam a veracidade dessa associação.
O debate foi acirrado em recente edição do Journal of Studies on Alcohol and Drugs, que trouxe artigos e comentários sobre o tema. A principal crítica daqueles que questionam o efeito cardioprotetor do álcool está relacionada aos vieses dos estudos, como a escolha do grupo de referência, na maioria das vezes definido vagamente como "abstêmio", a idade dos participantes e a saúde cardíaca de base.
A hipótese é que, se houver controle desses vieses, os efeitos de cardioproteção atribuídos ao consumo leve ou moderado de álcool não serão tão exuberantes. Na revisão de 45 artigos sobre o tema, pesquisadores observaram que estudos que aplicaram o controle da saúde cardíaca dos participantes não encontraram evidências de proteção significativa para a doença arterial coronariana, em qualquer nível de consumo de álcool; enquanto para os que não controlaram este parâmetro verificou-se uma notável proteção.
Sim, a questão é complexa e não há consenso científico sobre os potenciais efeitos benéficos do consumo moderado de álcool para a saúde do coração. No entanto, vale frisar que a taxa de risco cardiovascular é crescente conforme o aumento gradual da ingestão de álcool e que não há indicação para o consumo de álcool na prevenção primária de doenças cardíacas, pois existem outros riscos à saúde envolvidos no uso de bebidas alcoólicas.
*Uma dose diária (10-12 g de álcool puro) segundo a Organização Mundial de Saúde equivale a 330 ml de cerveja/chopp, 100 ml de vinho ou 30 ml de destilado