Anna Hirsch Burg é psicóloga formada pela Pontifícia Universidade Católia de São Paulo. Fez sua formação em psicanálise...
iComo o amor é um tema muito presente na história da humanidade, não imaginava que pudesse ser tão difícil escrever sobre ele. No entanto, em meio a tantas definições, me pergunto se tudo aquilo que se diz a seu respeito por aí - nas ruas, televisão, livros, obras de arte, canções, filmes etc. -, é o suficiente. Será? Não estaríamos perdendo algo muito valioso nesse excesso de pautas sobre o amor e correndo o risco de afogá-lo em um mar de definições e sentimentalismos banais?
Poetas, artistas e intelectuais tentaram dar nomes ao amor. Espalhados pelo mundo e ao longo do tempo, muitos de nós ainda tentam, cotidianamente, encarar essa tão complexa missão. Mas talvez a única conclusão diante de milhares de tentativas e seus belíssimos (e diversos) resultados seja a de que não existe definição única, definitiva e exclusiva para o amor. Palavras, gestos, imagens, sons, cheiros... Nenhum sentido explica, sozinho, o amor. A única forma de o "entendermos" é com todo o nosso ser.
A ânsia quase desesperada em entender esse sentimento tão complexo revela belas produções líricas, artísticas e mesmo filosóficas. Por outro lado, traz à tona também a criação de fórmulas e receitas mágicas para que se encontre a tão esperada alma gêmea. Entender as nuances do amor fica em segundo plano: o importante para a maioria das pessoas é encontrar a tal parte faltante ("a metade da laranja"), e o mais rapidamente possível. O que mais se dissemina em nossa sociedade são essas fórmulas para se encontrar um amor e pôr fim à solidão.
A fonte desse mito da incompletude dos seres que apenas no amor podem se sentir completos está em "O Banquete", de Platão. Nesse texto sete pessoas louvam o deus Eros e interpretam o amor à sua maneira. Em determinado momento, Aristófanes, que compõe um dos mais belos trechos do livro, conta que cada um dos seres no inicio dos tempos era feliz e completo. Um dia, porém, esse grupo despertou a fúria de Zeus, que dividiu cada um dos seres pela metade como forma de castigo. Cortadas, restaria às partes divididas procurar a sua outra metade perdida... O risco desses seres morrerem de tristeza e incompletude em caso de insucesso persiste ainda nos dias de hoje. Afinal, qual é o peso da frustração de não encontrarmos nossa "cara metade"?
Escrito por volta de 380 a. C., "O Banquete" jamais perdeu sua atualidade e explica de forma brilhante nossa relação com o amor. Até hoje ele é sinônimo da complementação, das almas gêmeas, das metades da laranja, da tampa da panela... Não importa muito o nome dado às metades incompletas, mas que o conceito de felicidade atrelado ao encontro amoroso é encarado como a cura de todos os males para homens e mulheres.
A essa altura, já podemos entender a origem do peso emocional de nossas escolhas amorosas e a expectativa que criamos ao denominar alguém de "metade faltante". Durante séculos, fomos ensinados a buscar a felicidade na companhia do outro e esse ideal tem se revelado atemporal. Não quero com isso, evidentemente, diminuir a importância do amor, muito menos negar que estar apaixonado e ter um(a) companheiro(a) transforma nosso dia a dia e tudo ao redor. Ser capturado pelo amor é a maior alegria que um ser humano pode sentir na vida. No entanto, é importante deixar claro que há tanto peso na expectativa de encontrarmos um amor que nos complete, que muitas vezes nos esquecemos do sofrimento que o rompimento de uma relação pode representar. Estamos todos sujeitos a, de repente, ver toda a alegria que sentíamos, todo o bem que fizemos e recebemos torna-se um amargo fel.
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O luto pela perda de um amor
A felicidade do encontro amoroso é proporcional à tristeza e ao abandono de nos percebermos no fim de um amor. Essa sensação é tão intensa que é semelhante à dor sentida com a morte de alguém querido. No caso da relação amorosa, perde-se uma parte de si mesmo, aleija-se. O término de um relacionamento de muita dedicação e intensidade traz a sensação de luto intenso, contaminando todo o entorno.
A negatividade que se instaura naquele que perdeu um grande amor não é apenas uma impressão. Sigmund Freud dizia que nunca nos expomos tanto à infelicidade do que quando amamos, e que nos sentimos ainda mais desvalidos quando perdemos o objeto amado ou seu amor. A ruptura do laço amoroso, quanto mais abrupta e inesperada, suscita sofrimentos que se assemelham ao dilaceramento da própria alma. O sistema psíquico entra mesmo em uma espécie de curto-circuito, instaurando um enorme luto.
O entendimento que a Psicanálise faz do luto não diz respeito apenas à morte concreta de um objeto amado, mas também ao rompimento de um relacionamento. Diante da morte de um ente querido, nossa mente se comporta de forma equivalente àquilo que se desenha com o fim de uma relação: um desânimo profundo e penoso, perda de interesse no mundo externo e na capacidade de amar, diminuição da autoestima. O enlutado vai se afastando da maneira com que vivia seu cotidiano.
Superando o fim do amor
Felizmente, a irreversibilidade é apenas uma sensação e a dor passa. Para o psicanalista J. D. Násio, o enlutado desinveste energia na representação do amado aos poucos e retira o excesso de afeto que existia nele. O sofrimento não pode durar para sempre. O processo do luto desemboca numa espécie de "desamor" em relação àquele que se perdeu para que, no futuro, se possa amá-lo de outra forma. Em qualquer que seja o caso, a saúde psíquica se consolida na capacidade de estabelecer novos laços e investir em outras possibilidades amorosas com o passar do tempo.
Sabemos que nem todos os casos de luto são superados de forma tranquila, sendo necessário fazermos algumas distinções. Denominamos os casos de luto patológico como melancolia. A grande diferença entre um e outro, para Freud, é que enquanto no luto o mundo se torna vazio e inexpressivo, nos casos melancólicos, a pessoa que perdeu o objeto amado é que se sente vazia e inexpressiva. Assim, temos reações opostas na forma de se lidar com a dor, com a recuperação da autoestima e com a possibilidade de investir amorosamente em novos objetos. É preciso estar atento pois a melancolia é um luto que não passa sozinho.
Nos casos dos rompimentos amorosos, o processo analítico pode ajudar o paciente a substituir a representação mítica da busca pela metade faltante por um processo de procura da parte perdida em si mesmo. Acredito que a análise seja aconselhável para quem está em processo de luto e imprescindível para os casos melancólicos.
Inevitavelmente passamos por muitas fases de luto na vida e, na melhor das hipóteses, esse processo pode representar um convite para nos repensarmos amplamente, reinvestirmos nossa energia e olharmos de forma diferente para nós mesmos...
O tempo vai passando e, um dia, o período difícil ficou para trás. O mais importante é que, como diz a sabedoria popular, a vida continua. Encerro com as palavras de Jaques Alain Miller, já que todas as buscas, cedo ou tarde, acabam se voltando para nós mesmos. "Amar verdadeiramente alguém, é acreditar que ao amá-lo se alcançará uma verdade sobre si mesmo. Ama-se aquele que conserva a resposta ou uma resposta à nossa questão 'Quem sou eu?'".
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