Supervisora do Programa de Residência Médica Oncologia, Universidade Federal de São Paulo.Pós Doutorado em Oncologia Gin...
iNo Brasil, as estimativas relatadas pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA) e o Ministério da Saúde para o biênio 2018-2019 apontam a ocorrência de 600 mil casos novos de câncer, para cada ano. Destes, 300.140 casos novos acometem o sexo masculino. No Brasil, excetuando-se os tumores de pele e melanoma, o câncer de próstata é o mais frequente entre os homens, com 68.220 novos casos descritos em 2018.
O câncer de testículo é um tumor raro, porém, ao contrário do câncer de próstata, ocorre com maior frequência em adultos jovens entre 15 e 40 anos. Esse tipo de câncer, embora seja agressivo, apresenta baixo índice de mortalidade, possibilitando uma sobrevida a longo prazo.
Além disso, como a prevalência do câncer em crianças e adolescente até os 20 anos de idade é aproximadamente 1 em 300, pode ser esperado um sobrevivente em cada 450 indivíduos na população adulta jovem e muitos desses pacientes ainda não têm filhos ou ainda não completaram sua família.
Quais as causas de infertilidade relacionadas ao câncer?
Uma das principais causas da infertilidade é a radioterapia. Isso ocorre devido ao dano por ação direta do tratamento sobre os testículos ou por dispersão da radiação do tratamento de outros órgãos abdominais. Os testículos são diretamente irradiados em raras condições e é um dos órgãos mais radiossensíveis, particularmente no tecido germinativo.
Quando falamos sobre a quimioterapia o dano é específico em relação à droga ou combinações de drogas utilizadas, com maior chance de infertilidade permanente após uso de agentes alquilantes. Os malefícios do tratamento são agravados pelas alterações hormonais e metabólicas e o estresse.
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Tanto o tratamento como o próprio câncer podem levar a infertilidade, estimando-se que 40% dos pacientes com câncer de testículo sejam inférteis ou subférteis já ao diagnóstico.
Em média, 15% a 30% dos pacientes curados de câncer através de cirurgia, quimioterapia e/ou radioterapia permanecerão estéreis a longo prazo. A azoospermia (ausência de espermatozoides no sêmen) na maioria dos pacientes se desenvolve após 2 a 3 meses após a quimioterapia.
Vale ressaltar que nesta fase, o aconselhamento de homens que estão estáveis para manter vida sexual ativa, deve incluir uma discussão sobre contracepção.
Técnicas de preservação da fertilidade
Para muitos sobreviventes do câncer, a fertilidade é uma das principais preocupações quando o tema é qualidade de vida, e sua perda, ou o medo de sua perda, é causa de sofrimento psicológico. Assim, todos os pacientes precisam ser bem informados sobre o impacto do tratamento do câncer em sua fertilidade.
A realização de análises de sêmen para testar a contagem e qualidade dos espermatozóides antes da radioterapia e/ou quimioterapia precisam ser oferecidas a pacientes do sexo masculino e a criopreservação de espermatozóides é o método clínico atualmente disponível para preservação de fertilidade nestes pacientes.
Mesmo que a análise de sêmen de um paciente mostre azoospermia, alguns espermatozóides ainda podem estar presentes no testículo. De acordo com alguns estudos, os espermatozóides não sobrevivem ao trânsito epididimal e não atingem o ejaculado se o testículo humano contiver menos de 3-4 milhões de espermatozóides. Para homens adultos então com azoospermia, a extração de esperma testicular é necessária e é a única opção para recuperação de espermatozoides.
A criopreservação de sêmen consiste na conservação dos espermatozoides por meio de processo de resfriamento e manutenção a cerca de 190oC negativos em nitrogênio líquido.
Em temperaturas tão baixas não há atividade metabólica e as células encontram-se em estado de suspensão de suas reações químicas. O princípio básico da criopreservação é o de manutenção da viabilidade e da função dos espermatozóides após o descongelamento, preservando sua capacidade de fertilização e desenvolvimento embrionário.
Em 1866, Montegazza foi o primeiro a sugerir o uso de bancos para sêmen humano congelado. Na maioria dos casos, a coleta de sêmen consiste em uma tarefa simples: em homens com ejaculação normal, a criopreservação de espermatozoides envolve a coleta de uma amostra de sêmen por masturbação, que é subsequentemente congelada. Todos os meninos que entraram na puberdade e têm volume testicular > 5ml muito provavelmente já terão iniciado a produção de espermatozóides. O número de amostras depende da qualidade do esperma avaliada pelo número de espermatozóides móveis após preparo.
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O intervalo de coleta entre as amostras pode ser de 24 a 48hs. Relatos de casos demonstram que espermatozoides armazenados podem sobreviver por longo tempo, mesmo após 28 anos em nitrogênio líquido. Ressaltamos a importância da coleta precedendo o início do tratamento oncológico. A criopreservação de espermatozóides após o inicio do tratamento é debatida pelo risco de transmissão de mutações para novas gerações.
A taxa de gravidez com sêmen congelado, quando todos os outros fatores de fertilidade são normais, representa aproximadamente a metade da encontrada quando se usa sêmen fresco, à exceção da técnica de injeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICSI - sigla em inglês).
Ao contrário da FIV (fertilização in vitro), que requer um número ideal de espermatozóides e função destes para completar com êxito a sequência de eventos que levam à fertilização, técnicas de micromanipulação, como ICSI, envolvendo a injeção direta de um espermatozóide no oócito, elimina todos esses requisitos.
Sabemos que os agentes quimioterápicos agem preferencialmente em células que se dividem ativamente, e as células germinativas estão em constante divisão. No entanto, mesmo pacientes pré-púberes, nos quais a espermatogênese não é ativa, não estão protegidos da toxicidade da quimioterapia nas gônadas. Em meninos que não entraram na puberdade (e não tem espermatozóides maduros), as opções atuais para preservação de fertilidade são experimentais.
Podemos então afirmar que é é fundamental manter a relação médico-paciente através de um diálogo franco e sem barreiras para que os pacientes compreendam os riscos à fertilidade envolvidos no tratamento oncológico e seguros emocionalmente durante o processo de tomada de decisões.
Michelle Samora - Oncologista do Grupo Oncoclinicas